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Paciente afrodescendente do sexo masculino, 14 anos, vem ao seu consultório para realizar avaliação cardiológica para participação em atividade esportiva competitiva. É assintomático, não possui comorbidades conhecidas e não apresenta história familiar relevante. Realizou o seguinte ECG:
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Resposta:
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Resposta: Chama a atenção um padrão de onda T invertida que vai de V1 a V4, certo? E o que isso quer dizer?
Sabe-se que a presença de ondas T negativas no ECG em jovens saudáveis é frequentemente um achado desafiador para o cardiologista clínico.
Essa alteração pode corresponder a uma variante da normalidade na juventude, à adaptação do coração de um atleta à atividade física ou a um estágio inicial de uma patologia, como por exemplo a displasia arritmogênica do ventrículo direito (DAVD) ou a cardiomiopatia hipertrófica.
Deve-se, portanto, avaliar se esse paciente é de risco ou não.
As características do padrão de onda T juvenil incluem inversão assimétrica e rasa (normalmente < 3 mm), limitadas a V1-V3/V4. Isso se deve à predominância elétrica do ventrículo direito na infância, que gradualmente se reverte e gera normalização das ondas T no período pós-puberdade.
A prevalência do padrão de onda T juvenil na população geral entre 13-16 anos é de 6%. É mais comum em mulheres e diminui significativamente com a idade. A grande maioria (98%) dos ECGs juvenis resolve-se aos 16 anos.
É importante frisar que a persistência pós-puberal da inversão da onda T além de V1 pode ser consequência de alguma cardiopatia e merece investigação adicional.
Em relação aos praticantes de atividade física de alta performance, sabe-se que atletas afrodescendentes são reconhecidos por terem maior prevalência de inversão de onda T do que atletas brancos, e isso pode ser normal nas derivações V1–V4.
Atenção especial deve ser dada caso a inversão da onda T seja em derivações inferiores (D2, D3, aVF) e/ou laterais (L1, aVL, V5 e V6), já que são incomuns mesmo em atletas negros e justificam investigação adicional para exclusão de cardiopatia subjacente.
Além de uma análise eletrocardiográfica minuciosa, deve-se avaliar outros fatores: doenças cardíacas prévias, sintomas, história familiar positiva para cardiomiopatia ou morte súbita. Todos esses fatores podem potencializar a significância das anomalias vistas no ECG.
O paciente em questão realizou ecocardiograma, que não apresentava alterações. Não possuía história familiar de morte súbita ou qualquer outro dado na história que chamasse a atenção.
Como fazer o seguimento desses pacientes?
De um modo geral, um atleta assintomático e sem evidência de cardiomiopatia ou história familiar positiva, não possui limitação para a realização de atividades esportivas. Pode-se avaliar posteriormente um possível teste genético e deve-se ter atenção cuidadosa à ocorrência de sintomas, realizando check-ups anuais. Pode-se considerar também a realização de eletrocardiograma e ecocardiograma para parentes de primeiro grau.
Fontes:
Filippo Stazi, T wave inversion on the electrocardiogram: when to worry and when not to, European Heart Journal Supplements, Volume 21, Issue Supplement_B, March 2019, Pages B96–B97, https://doi.org/10.1093/eurheartj/suz021
Basu J, Malhotra A, Styliandis V, et al. 71 Prevalence and progression of the juvenile pattern in the electrocardiogram of adolescents. Heart 2018;104:A63.