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É possível melhorar o cuidado ao diabético cardiopata?
Escrito por
Humberto Graner
Publicado em
26/4/2023
Apesar das diretrizes detalhadas e baseadas em evidências, existem grandes lacunas entre tratamento ideal e o que é oferecido aos pacientes em todo o espectro cardiometabólico. O sistema de saúde atual ainda falha em fornecer tratamentos efetivos que reduzem morbidade e mortalidade para milhões de pacientes, sobretudo aqueles com dificuldade ao acesso à saúde.
O estudo COORDINATE-Diabetes foi um estudo randomizado por cluster realizado em 43 clínicas de cardiologia norte-americanas, que avaliou o efeito de uma intervenção coordenada e multifacetada de avaliação, educação e feedback para provedores locais versus cuidados habituais em pacientes com diabetes e doença cardiovascular aterosclerótica.
Essa abordagem coordenada consistiu em seis etapas:
- Identificação dos pacientes elegíveis: estes pacientes eram portadores de diabetes tipo 2 e alto risco cardiovascular, definido como ter doença arterial coronariana estabelecida, doença vascular periférica ou cerebrovascular, ou múltiplos fatores de risco cardiovascular.
- Avaliação multidisciplinar: cada paciente foi avaliado por uma equipe multidisciplinar, incluindo um cardiologista, endocrinologista e enfermeiro especializado em diabetes, para determinar o risco cardiovascular e personalizar o tratamento. Nutricionistas e educadores físicos também faziam parte da equipe.
- Plano de cuidados personalizado: com base na avaliação multidisciplinar, um plano de cuidados personalizado foi desenvolvido para cada paciente, incluindo ajustes de medicamentos, e objetivos de controle glicêmico e lipídico.
- Aconselhamento sobre estilo de vida: cada paciente era também aconselhado sobre estilo de vida saudável, incluindo dieta e exercício físico.
- Monitoramento e ajustes regulares: os pacientes eram então monitorados regularmente, e os ajustes foram feitos conforme necessário para alcançar as metas de controle glicêmico e lipídico.
- Comunicação e coordenação contínuas: a equipe multidisciplinar de profissionais de saúde se comunicou e coordenou continuamente para garantir que cada paciente recebesse um tratamento personalizado e de alta qualidade.
Os principais resultados do estudo foram os seguintes:
Dos 1.049 participantes inscritos, a idade média foi de 70 anos e 32% eram mulheres.
Esta intensa intervenção centrada no profissional de saúde e no paciente melhorou a prescrição e a adesão das três classes de tratamento indicadas por diretrizes (IECA/BRA, estatinas, e inibidores de SGLT2/arGLP1) em 37,9% versus 14,5% no grupo controle. A melhora mais significativa observada foi no aumento utilização de inibidores de SGLT2 ou arGLP1 (de 12,3% para 60,4% no grupo intervenção versus 14,5% para 35,5% no grupo controle).
A intervenção não foi associada a alterações nos fatores de risco para doença cardiovascular aterosclerótica, nem no desfecho secundário composto de morte, AVC, IAM, revascularização ou insuficiência cardíaca. Esta análise foi considerada mesmo o estudo não tendo sido desenhado ou com poder estatístico suficiente para este desfecho.
Em resumo, os resultados do estudo COORDINATE-Diabetes sugerem que a coordenação cuidadosa e personalizada pode melhorar a adesão a tratamentos baseado em evidências e com potencial para modificar a história natural desses doentes. A principal questão é se essa intervenção pode ser dimensionada para grandes serviços (se é factível economicamente), e se esses resultados são sustentáveis a longo prazo. Mesmo com esta intervenção coordenada, mais de 60% dos pacientes ainda não receberam o atendimento ideal até o final do estudo, destacando o longo caminho que ainda devemos percorrer.
Referências:
Pagidipati NJ, Nelson AJ, Kaltenbach LA, Lopes RD, et al. Coordinated Care to Optimize Cardiovascular Preventive Therapies in Type 2 Diabetes: A Randomized Clinical Trial. JAMA 2023 Mar 06;[EPub Ahead of Print]