Existe benefício da toracocentese em pacientes com insuficiência cardíaca?

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              O derrame pleural é uma situação bastante comum em pacientes com insuficiência cardíaca descompensada, estando presente em mais da metade dos pacientes e, em cerca de 20% dos casos, o derrame ocupa mais de um terço do hemitórax. Sabe-se também que o derrame pleural pode contribuir para piora dos sintomas de dispneia e desconforto respiratório. A descongestão com diuréticos é o pilar do tratamento, mas ainda existe uma certa dúvida na prática clínica: existe algum benefício da toracocentese em pacientes com insuficiência cardíaca?

              O estudo TAP-IT (Thoracentesis to Alleviate Cardiac Pleural Effusion–Interventional Trial) foi um ensaio clínico randomizado, multicêntrico, pragmático e aberto (não-cego), que incluiu 135 pacientes hospitalizados com insuficiência cardíaca aguda, fração de ejeção do ventrículo esquerdo ≤ 45% e derrame pleural considerado significativo, porém sem ocupação de mais de dois terços do hemitórax​. Os participantes foram alocados 1:1 para receber a toracocentese terapêutica guiada por ultrassom associada à terapia médica padrão, ou apenas a terapia médica padrão. A mediana de idade dos participantes foi de 81 anos, com predomínio de indivíduos idosos e frágeis e 33% da amostra era composta por mulheres. A maioria dos derrames pleurais era bilateral (73%) e cerca de 1/3 dos pacientes já utilizava diuréticos de alça antes da internação. Foram excluídos derrames volumosos (ocupando mais de 2/3 do hemitórax), necessidade de toracocentese diagnóstica, contraindicação ao procedimento, instabilidade hemodinâmica ou insuficiência respiratória grave, infecções pleuropulmonares, procedimentos intratorácicos recentes (últimos 3 meses), estenose aórtica grave, pacientes com taxa de filtração glomerular estimada <15 mL/min/1,73m² ou em diálise, além de internação prevista superior a 10 dias por outras condições.

              O desfecho primário foi o número de dias vivos fora do hospital em 90 dias. Os desfechos secundários incluíram duração da internação inicial, mortalidade por todas as causas em 90 dias e qualidade de vida avaliada pelo questionário KCCQ. O grupo da toracocentese drenou em média 1062 mL de líquido pleural, com uma baixa taxa de complicações graves (1%). As complicações menores foram relativamente frequentes, ocorrendo em 25% das toracocenteses (dor local, necessidade de opioide, sangramento leve).

              Os resultados do trabalho mostraram que a toracocentese não aumentou o número de dias vivos fora do hospital (mediana de 84 dias no grupo intervenção versus 82 dias no controle; p=0,42)​. A mortalidade foi idêntica entre os grupos (13%), e não houve diferença na duração da internação (mediana de 5 dias para ambos). Também não se observaram diferenças significativas na qualidade de vida ou na taxa de reinternação​.

Resumo dos resultados

              Apesar da toracocentese ter sido um procedimento com baixo risco de complicações, o trabalho não mostrou benefícios clínicos na sua realização rotineira. O importante, na prática, é que devemos atuar na descongestão eficaz através da otimização das medicações modificadoras de prognóstico e ajuste individualizado do diurético de alça venoso, por vezes combinado com outros diuréticos (tiazidicos, acetazolamida). Não significa que a toracocentese não tem espaço na insuficiência cardíaca. Esse procedimento deve ser considerado no tratamento sintomático de pacientes que se apresentem com derrames volumosos ou refratários.

Referência:

Glargaard, Signe et al. “A Randomized Controlled Trial of Thoracentesis in Acute Heart Failure.” Circulation vol. 151,16 (2025): 1150-1161.