Digoxina deveria ser eliminada do tratamento da fibrilação atrial?

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Digoxina deveria ser eliminada do tratamento da fibrilação atrial?

Foi publicado no JACC estudo liderado pelo Dr Renato Lopes (professor de medicina na Duke University) avaliando o impacto da digoxina sobre a mortalidade em pacientes com fibrilação atrial (FA). Já falamos sobre este estudo quando ele foi apresentado no congresso americano de 2017. Aqui está o post.

Apenas revisando alguns pontos importantes:

  • A digoxina é recomendada atualmente como droga classe I para o controle da frequência cardíaca no paciente com FA.
  • Apesar desse grau de recomendação, nenhum grande ensaio clínico avaliou a segurança desta droga nesta população.
  • Mas um momento, não tem a história do DIG trial que avaliou o uso desta medicação na IC e mostrou que nem aumentava nem diminuía mortalidade? Justamente. Trial de pctes com IC e ritmo sinusal. Não tem nada a ver com o que estamos falando hoje. Para uma breve revisão sobre o papel da digoxina no tratamento da IC, veja este post.
  • Análise do estudo DIG sugeriu que níveis elevados de digoxinemia correlacionaram-se com aumento de mortalidade.
  • E em relação à FA? Simplesmente não tínhamos esse dado até o estudo atual.

O estudo atual então avaliou a relação entre uso de digoxna, digoxinemia e mortalidade em pacientes com FA. De onde vieram estes pctes? Do estudo ARISTOTLE. Quer dizer então que foi um ensaio clínico randomizado, certo? Não. O ARISTOTLE foi um trial randomizado para comparar o uso de apixabana com varfarina em pctes com FA. O estudo atual trata-se de uma análise retrospectiva deste estudo. Ah, mas então foi mais um daqueles estudos retrospectivos que no final das contas vão apenas levantar hipóteses mas não definir nada? Negativo. Este estudo primeiro tem um enorme diferencial em relação ao uso da digoxina: eles dividiram os pctes em relação aos que não usaram a droga em momento algum, os que já iniciaram o estudo usando e os que começaram sem usar digoxina e durante o estudo tiveram a droga iniciada. Isso ajuda a elimiar bastante fatores confundidores.

Principais pontos do estudo:

  • Concentrações séricas de digoxina
  • 1,2 ng/mL foram relacionadas com maior mortalidade.
  • Pctes que começaram o uso de digoxina durante o estudo tiveram maior mortalidade que os que não usaram a droga. Isto foi corrigido para uma série de confundidores. Caso contrário poder-se-ia dizer que o paciente morreu mais simplesmente porque era mais grave, precisou de mais medicação, etc.
  • A presença ou não de insuficiência cardíaca não mudou os achados acima.

O editorial que acompanha o artigo foi bem contundente. O título foi Digoxina no tratamento da FA: deixe de fora do consultório médico. Mas será que de fato a digoxina deve ser eliminada por completo do tratamento da FA? Para aprofundar a discussão, entramos em contato com o Dr Renato Lopes.

Eduardo Lapa: Renato, parabéns pela publicação do estudo. Uma dúvida prática: você ainda usaria digoxina para tratar algum paciente com FA?

Renato: Ainda há poucos pacientes que precisarão da medicação na prática. Por exemplo, um paciente com FA que não consegue controlar adequadamente a frequência cardíaca com uso de betabloqueador e/ou antagonista dos canais de cálcio ou que apresenta efeitos colaterais limitantes com estas medicações. Nestes poucos casos, contudo, sempre lembrar da importância de se medir a digoxinemia com frequência, não permitindo que os níveis fiquem acima de 1,2 ng/mL. Além disso, não esquecer de reavaliar este paciente. Pode ser que depois de um tempo ele esteja melhor controlado e não precise mais da medicação.

Eduardo Lapa: OK. O outro ponto relevante é: o ideal para responder à pergunta se a digoxina aumenta mortalidade na FA seria um grande ensaio clínico. Você acha provável que isso aconteça ou possivelmente o estudo de vocês será a melhor evidência científica que teremos sobre o assunto?

Renato: Eduardo, é pouco provável que este estudo venha a acontecer. Primeiro, há a questão que a digoxina já é uma droga muito antiga e sem patente. Desta forma, a indústria farmacêutica não teria interesse em financiar o estudo. Segundo, teria que ser um estudo bem grande, com dezenas de milhares de pacientes. Terceiro, seria provavelmente difícil randomizar esta quantidade de pacientes já que com os dados do nosso estudo provavelmente os médicos ficarão receosos em randomizar seus pacientes para usar a droga. Então possivelmente nosso estudo será a melhor evidência disponível.