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Diabetes tipo 1: existe vida além da insulina?
Escrito por
Luciano França de Albuquerque
Publicado em
28/11/2022
O diabetes mellitus tipo 1 (DM1) é caracterizado pela destruição auto-imune das células beta, sendo responsável por 5% a 10% de todos os casos de diabetes, com uma incidência mundial de cerca de 15 casos por 100.000 indivíduos por ano. Apesar dos avanços no desenvolvimento de insulinas e dispositivos, apenas 1 em cada 5 pacientes com DM1 atinge as metas de controle glicêmico. Com a crescente prevalência de obesidade, complicações cardiovasculares e renais são cada vez mais frequentes nessa população, aumentando ainda mais as dificuldades no manejo da doença. O risco de desenvolver doença renal diabética ao longo da vida nesta população permanece próximo a 50%, e o risco de doença cardiovascular (DCV) é 4 a 10 vezes maior do que em pacientes sem diabetes. Diante desse cenário, o anseio pela busca de alternativas para o DM1 se intensifica. Mas afinal, existe vida para o DM1 além da insulina?
Novas classes farmacológicas como os agonistas do GLP1 e os inibidores do cotransportador de sódio-glicose tipo 2 (iSGLT2) demonstraram, em pacientes com diabetes mellitus tipo 2 (DM2), não apenas melhorar o controle glicêmico sem aumentar o risco de hipoglicemia, mas também promover a perda de peso, diminuir o risco de eventos cardiovasculares, reduzir a taxa de progressão da doença renal e o risco internações por insuficiência cardíaca. Estes benefícios seriam altamente desejáveis naqueles com DM1, porém questões de segurança têm limitado seu uso.
Vários ensaios clínicos randomizados foram conduzidos com esses agentes em pacientes com DM1. Tais estudos mostraram melhorias modestas no controle glicêmico, redução de peso e redução da necessidade de insulina, mas também um potencial para aumento do risco de hipoglicemia grave e cetose. Vale ressaltar a curta duração de seguimento e o foco no controle glicêmico, em vez de resultados de longo prazo.
Um estudo com dados de mundo real, recentemente publicado no JCEM tenta trazer novas informações sobre o tema. Foram identificados 104 pacientes com DM1 com uso prévio de GLP-1 (76 pacientes) ou iSGLT2 (39 pacientes) por mais de 90 dias. Após 1 ano de tratamento, os usuários de agonistas de GLP tiveram reduções significativas de peso (90,5 kg a 85,4 kg; P < 0,001), hemoglobina glicada A1c (HbA1c) (7,7% a 7,3%; P = 0,007) e dose total diária de insulina (61,8 unidades a 41,9 unidades; P < 0,001). Os usuários de SGLT2i tiveram reduções estatisticamente significativas na HbA1c (7,9% para 7,3%; P < 0,001) e insulina basal (31,3 unidades para 25,6 unidades; P = 0,003). Quando comparados entre si, os usuários de agonistas de GLP-1 tiveram maior redução de peso (-5 vs -1,7 kg; P = 0,027), enquanto a redução de HbA1c foi comparável entre os grupos. Ao longo de uma duração média total de uso de 29,5 meses/paciente, mais usuários de SGLT2i apresentaram cetoacidose diabética (CAD) (12,8% vs 3,9%). A descontinuação por eventos adversos ocorreu em em 26,9% dos usuários de GLP-1 versus 27,7% para usuários de iSGLT2. A incidência de hipoglicemia grave foi baixa em ambos os grupos e não houve episódios de pancreatite em nenhum dos grupos durante o tratamento.
O estudo apresenta o maior número de pacientes com DM1 tratados com agonistas de GLP-1 (N = 76) e teve o maior período de avaliação de segurança (mediana de 29,5 meses/paciente) já relatados. A redução da HbA1c ocorreu no contexto do benefício adicional da perda de peso e redução da necessidade de insulina. Os agentes estudados podem ser uma adição útil à insulina como terapia adjuvante para o manejo do DM1 na prática clínica. Cabe ainda ressaltar a necessidade do conhecimento sobre a reprodutibilidade dos resultados cardiorrenais demonstrados em pacientes com DM2 para pacientes com DM1, que também estão em risco significativo de tais complicações. Apesar dos resultados animadores, os efeitos adversos seguem sendo uma grande preocupação.