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Devo revascularizar um paciente com base na viabilidade miocárdica?

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Devo revascularizar um paciente com base na viabilidade miocárdica?

Há muito convivemos com a ideia de que a avaliação da viabilidade miocárdica deve balizar decisões sobre revascularização, particularmente em pacientes com miocardiopatia isquêmica.

Numerosos estudos, em sua maioria retrospectivos e não randomizados, avaliaram a importância dos testes de viabilidade miocárdica. Revascularizar território com viabilidade aparentemente melhora a função ventricular. Vale a pena notar que a maioria dos estudos anteriores focaram apenas na recuperação da motilidade segmentar, um desfecho substituto.

Por outro lado, existem evidências de que a presença de viabilidade miocárdica melhora prognóstico de pacientes submetidos a revascularização, quando comparados com pacientes sem viabilidade mantidos em tratamento clínico. De fato, uma meta-análise do início deste século mostrou uma forte associação entre viabilidade miocárdica e melhora da sobrevida após revascularização em pacientes com DAC crônica e disfunção do VE. Esse achado foi independente da modalidade escolhida (em sua maioria, eco de estresse ou cintilografia). As limitações desses estudos, contudo, incluem falta de padronização e adesão ao tratamento clínico otimizado, além do caráter retrospectivo de muitos deles.

Assim, ainda havia incertezas no que diz respeito ao impacto da viabilidade na sobrevida desses pacientes, dada a falta de ensaios clínicos randomizados com poder estatístico. Estas questões foram abordadas em sub-análises pré-especificadas do estudo STICH. Este foi um ensaio clínico randomizado desenhado para avaliar o impacto da cirurgia de revascularização miocárdica no manejo de pacientes com DAC e FE reduzida (≤ 35%). Os resultados do primeiro subestudo de viabilidade do STICH foram publicados ainda em 2011 e foram comentados aqui, e aqui. Se, por um lado, a presença de viabilidade miocárdica esteve associada a melhor desfecho, por outro, ela não foi capaz de predizer o benefício da revascularização de forma independente, deixando questões ainda em aberto.

Na última semana, os pesquisadores do STICH publicaram novas análises da associação de viabilidade miocárdica com a função ventricular e a mortalidade em um seguimento médio de 10,4 anos. Os principais pontos deste estudo:

  • Dos 1.212 pacientes originalmente randomizados, apenas metade (n=601; 49,6%) realizou testes de viabilidade miocárdica usando cintilografia ou ecocardiografia com dobutamina (ou ambos).
  • Nessa coorte, a mortalidade foi menor nos pacientes revascularizados (HR 0,73; IC95% 0,60 – 0,90).
  • 81% dos pacientes tinham miocárdio viável.
  • Não houve diferença na mortalidade de pacientes com ou sem viabilidade miocárdica.
  • A cirurgia de revascularização não foi mais eficaz para pacientes com viabilidade do que naqueles sem viabilidade.
  • A FE aumentou aproximadamente 2% (absoluto) nos indivíduos com viabilidade, independente da estratégia terapêutica, sem correlação com mortalidade.

A despeito dos resultados, deve-se ter cautela com teste de interações em grupos relativamente pequenos. Muitas vezes, essas análises são geradoras de hipóteses, que precisariam ser testadas em estudos maiores. Além disso, como foi realizado entre 2002 e 2007, a ressonância cardíaca, hoje padrão-ouro para avaliar viabilidade, não estava amplamente disponível. Por outro lado, isso ainda reflete a realidade brasileira, cuja maioria da população ainda não tem acesso a RM do coração por meio do SUS.

De toda a forma, o velho (e ainda muito utilizado!) conceito de que a presença de viabilidade deveria embasar a decisão de encaminhar o paciente para revascularização miocárdica não se sustenta. Há uma infinidade de variáveis relacionadas a esta decisão, das quais a viabilidade miocárdica é apenas uma delas.

Até que haja novas evidências nesse campo, não devemos utilizar esses testes para decidir isoladamente sobre revascularização miocárdica de pacientes com DAC e disfunção ventricular importante!

REFERÊNCIAS

Allman KC, Shaw LJ, Hachamovitch R, Udelson JE. Myocardial viability testing and impact of revascularization on prognosis in patients with coronary artery disease and left ventricular dysfunction: a meta-analysis. Journal of the American College of Cardiology. 2002;39(7):1151–1158.

Bonow R, Maurer G, Lee K, et al. Myocardial viability and survival in ischemic left ventricular dysfunction. The New England Journal of Medicine. 2011;364:1617–1625.

Panza JA, Ellis AM, Al-Khalidi HR, et al. Myocardial Viability and Long-Term Outcomes in Ischemic Cardiomyopathy. N Engl J Med 2019; 381:739-748