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Devemos usar aspirina na prevenção primária em pacientes de moderado risco cardiovascular?
Escrito por
Eduardo Lapa
Publicado em
27/8/2018
Um dos principais estudos publicados no segundo dia do congresso europeu de cardiologia foi o ARRIVE. Enquanto que o uso de aspirina (AAS) no contexto de prevenção secundária (pacientes que já tiveram eventos cardiovasculares prévios) é razoavelmente bem embasado, o mesmo não pode ser dito na prevenção primária (pacientes que nunca tiveram evento cardiovascular). Algumas sociedades recomendam usar o AAS caso o paciente possua um risco cardiovascular estimado em >10% em 10 anos.
Para tentar avaliar melhor a situação, os investigadores do ARRIVE pegaram pacientes com risco cardiovascular moderado (entre 10% e 20% em 10 anos), sem diabetes e randomizaram para usar AAS 100 mg.d ou placebo. O endpoint primário era tempo para ocorrência de um primeiro evento cardiovascular (morte CV, IAM, AVC, AIT ou angina instável).
Foram avaliados 12.546 pacientes. De acordo com o escore de Framingham, o risco dos pacientes foi de cerca de 14% em 10 anos. Já pelo escore SCVD foi ao redor de 17%.
Resultado? Não houve diferença de desfechos entre os 2 grupos (4,29% no grupos AAS e 4,48% no grupo placebo). Na análise de desfechos secundários, houve, matematicamente, uma leve redução de incidência de IAM (1,78% para 1,52%). Como pode-se notar, além de apenas levantar uma hipótese já que o endpoint primário foi negativo, mesmo que fosse 100% confirmada, esta diferença de IAM seria clinicamente pouco significante.
DICA:
- Quem tem poder de mudar conduta em ensaios clínicos é o desfecho primário. No caso de trial com desfecho primário negativo, a presença de achados positivos nos endpoints secundários servem basicamente para levantar hipóteses.
Além de não ter diminuído desfechos CV, observou-se um aumento na taxa de sangramentos gastrointestinais (0,46% no grupo placebo x 0,97% no grupo AAS).
Um dos pontos levantados na discussão do artigo é a de que o estudo poderia não ter mostrado diferença de endpoint primário pelo fato da incidência de desfechos ter sido bem mais baixa do que o previsto (ficando na casa dos 8-9%). De toda forma, isso serve para mostrar que na prática atual, muitas vezes o risco CV termina ficando abaixo do mensurado nos escores já que outros fatores de risco como hipertensão arterial e dislipidemia são mais ativamente tratados. Com isso, a redução de risco CV geral termina sim diminuindo uma possível vantagem do AAS. Mas querendo ou não isso é uma boa notícia para os pacientes.
Resumo da ópera:
- O ARRIVE foi um ensaio clínico grande que não mostrou benefícios com o emprego de AAS 100 mg.d na prevenção primária de pacientes com risco cardiovascular presumidamente moderado (estimativa feita por escores de risco como o Framingham e o ASCVD).