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Compreendendo novos conceitos na DAC crônica
Escrito por
Ivson Braga
Publicado em
10/10/2024
A mais recente diretriz de Doença Arterial Coronariana (DAC) crônica da Sociedade Europeia de Cardiologia (ESC) traz novas compreensões sobre os mecanismos da isquemia miocárdica. O que antes se acreditava ser causado apenas pela estenose aterosclerótica fixa, hoje se sabe que anormalidades tanto na macrocirculação quanto na microcirculação podem causar isquemia miocárdica.
Neste contexto, consolidam novas terminologias como “INOCA” e “ANOCA”, redefinindo o que conhecíamos antigamente como síndrome X. Esses pacientes que antes não tinham um diagnóstico claro, agora têm uma classificação específica e tratamentos direcionados.
Aqui no Cardiopapers em 2021 já discutíamos sobre o assunto:
https://papers.afya.com.br/blog/voce-ja-ouviu-falar-em-minoca-mas-e-em-inoca
Alguns pontos importantes sobre o assunto:
O que são ANOCA e INOCA?
• ANOCA (angina com artérias coronárias não obstrutivas): refere-se a pacientes que apresentam sintomas típicos de angina, mas sem obstruções significativas nas artérias coronárias identificadas por exames, como angiografia.
• INOCA (isquemia com artérias coronárias não obstrutivas): refere-se a pacientes com isquemia miocárdica comprovada, mas, assim como na ANOCA, sem obstruções significativas.
Estudos mostram que até 50% dos pacientes com angina estável submetidos à angiografia coronariana não apresentam obstruções significativas. Entre as mulheres, a prevalência é de até 65%, enquanto entre os homens chega a 32%.
A fisiopatologia de ANOCA e INOCA envolve múltiplos fatores, como anormalidades secundárias a condições sistêmicas (anemia, taquicardia, hipertrofia miocárdica, entre outros) e alterações na vasomotricidade e função endotelial.
A disfunção microvascular coronária (DMV) está presente em mais de 50% dos casos e caracteriza-se pela incapacidade de vasodilatação dos pequenos vasos coronarianos em resposta ao aumento da demanda de oxigênio. Isso leva à redução da reserva de fluxo coronariano e é causada por principalmente pelos seguintes fatores:
• Disfunção endotelial: menor produção de óxido nítrico (NO).
• Disfunção do músculo liso vascular: resposta vasoconstritora exagerada.
• Fibrose e inflamação microvascular: aumentando rigidez e comprometendo a perfusão.
Estima-se que a presença de vasoespasmo coronariano ocorra em 20-25% dos casos de INOCA e pode afetar tanto as grandes artérias quanto a microcirculação. É causada por disfunção endotelial ou hiperatividade do músculo liso, o que restringe temporariamente o fluxo sanguíneo.
Em relação ao prognóstico, apesar de ANOCA e INOCA serem considerados "menos graves", esses pacientes têm o risco aumentado de eventos adversos maiores, como morte cardiovascular e insuficiência cardíaca. Estudos indicam que a taxa anual de eventos cardíacos adversos é de 3%, com mortalidade de até 5% no primeiro ano. Pacientes com DMV têm risco até quatro vezes maior de eventos adversos. Também está associada a uma baixa qualidade de vida, maior risco de incapacidade e maior incidência de eventos adversos, incluindo mortalidade, morbidade, custos de saúde, readmissões hospitalares recorrentes e angiografias coronárias repetidas.
O diagnóstico de ANOCA e INOCA é desafiador pois necessita da avaliação funcional da microcirculação e da vasculatura epicárdica; alguns desses exames, como por exemplo, os testes provocativos, ainda não estão facilmente disponíveis.
Testes Não Invasivos
• Ressonância Magnética Cardíaca (RMC) e PET: avaliação do fluxo sanguíneo e reserva de fluxo coronariano (RFC).
• Ecocardiograma de estresse e angiotomografia coronária: ajudam a excluir obstruções significativas.
Testes Invasivos
• Angiografia coronária: importante na documentação de lesões não obstrutivas em pacientes com angina.
• FFR e iFR: fundamentais para diagnosticar DMV e vasoespasmo.
• Testes provocativos com acetilcolina (Ach) ou ergonovina: detectam vasoespasmo coronariano. Entre os pacientes testados com Ach, 80% apresentam disfunção endotelial, 60% têm angina microvascular/vasoespástica e 50% têm reserva de fluxo coronário prejudicado e/ou alta resistência microvascular.
O manejo envolve o controle rigoroso dos fatores de risco cardiovasculares e tratamentos personalizados. Em relação a disfunção microvascular, o tratamento inclui controle de hipertensão e diabetes, uso de betabloqueadores, bloqueadores de canais de cálcio e, em alguns casos, inibidores da ECA. No caso do vasoespasmo epicárdico ou microvascular, o uso de nitratos e bloqueadores de canais de cálcio são utilizados para relaxar o músculo vascular e prevenção de novos episódios de espasmo.
A crescente compreensão sobre ANOCA e INOCA está mudando a forma como tratamos a DAC crônica. O reconhecimento dessas condições não só melhora a precisão diagnóstica, mas também oferece tratamentos mais direcionados, trazendo uma nova luz para o manejo de pacientes que, antes, permaneciam sem um diagnóstico claro.
Referências:
1. Hwang, Doyeon et al. "Ischemia With Nonobstructive Coronary Artery Disease: Concept, Assessment, and Management." JACC. Asia, 2023.
2. Pepine, Carl J. "ANOCA/INOCA/MINOCA: Open artery ischemia." American Heart Journal Plus, 2023.
3. Vrints, Christiaan et al. "2024 ESC Guidelines for the management of chronic coronary syndromes." European Heart Journal, 2024.
4. AlShaikh, Shereen et al. "INOCA: Ischemia in non-obstructive coronary arteries." American Heart Journal Plus, 2024.