Como aumentar as chances de seu paciente com fibrilação atrial usar anticoagulante?

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Vamos discutir hoje um importante estudo apresentado no congresso europeu de cardiologia e publicado simultaneamente no Lancet o qual inclui, entre outros pesquisadores, o Dr Renato Lopes e o nosso colaborador, o Dr Pedro Barros.

Contexto:

  • Fibrilação atrial (FA) é a taquiarritmia sustentada mais comum no mundo, sendo responsável por 1 em cada 5 acidentes vasculares cerebrais isquêmicos (AVCI).
  • 60% dos pctes com AVCI por FA ficam com sequelas permanentes e 20% morrem. Ou seja, é uma complicação comum e grave.
  • Qual a melhor forma de previnir isto? Anticoagular os pctes com risco aumentado. Tal conduta diminui em mais de 60% o risco de AVCI no pcte com FA.
  • Qual o problema? Primeiro, muitos dos pacientes que teriam indicação de receber a medicação terminam não fazendo uso porque simplesmente não foi prescrito pelo médico. Segundo, dos pacientes que recebem a prescrição da terapia, cerca de 30% abandonam o tratamento até o final do primeiro ano.
  • Estudos menores realizados anteriormente mostraram que medidas educacionais podem aumentar a aderência dos pctes com FA à anticoagulação. O problema é que estes estudos não respondiam definitivamente à questão devido ao tamanho amostral e a outros fatores logísticos.
  • Para isso foi desenvolvido o trial IMPACT-AF o qual se propôs a responder à questão: medidas educacionais são capazes de aumentar a aderência de pctes com FA à terapia anticoagulante oral?

Dados do estudo:

  • Trial multicêntrico, internacional, prospectivo, randomizado.
  • Eram incluídos apenas pctes com FA que já possuíam indicação de anticoagulação plena (CHADSVASC ≥ 2 ou valvopatia reumática)
  • Como era a intervenção? Basicamente consistia em 2 pontos: educação e follow-up longitudinal dos pctes para checar como estes estavam evoluindo. A educação almejava tanto pctes que recebiam panfletos, assistiam a vídeos sobre o assunto como os profissionais de saúde que viam aulas sobre os guidelines de FA e recebiam materias como podcasts, aulas e vídeos para assistir online, além de terem contato telefônico periódico com o centro pesquisador.
  • Em relação ao follow-up, enfatizava-se a necessidade de estar rechecando se os pctes estavam usando a anticoagulação e, caso não estivessem, propor estratégias para tentar iniciar a medicação. Também propunha ter atenção especial aos pctes considerados de risco a parar o tratamento. Videoconferências mensais eram realizadas com os coordenadores de centros da pesquisa para repassar as melhores evidências sobre anticoagulacão em pctes com FA.

Resultados:

  • Foram avaliados 2.281 pacientes.
  • Endpoint primário do estudo foi avaliar a proporção de pacientes com FA e risco alto de AVCI que estavam em uso de anticoagulante oral ao final de 1 ano de seguimento. Houve aumento na taxa de adesão com a intervenção proposta, passando de 67% grupo controle para 80% no grupo intervenção.
  • Em relação a endpoints secundários, notou-se diminuição de do risco de AVC no grupo intervenção em mais de 50%, sendo o NNT de 100 em 1 ano.

Impressões pessoais:

  • Estudo bastante interessante. Cada vez mais nos deparamos com esta questão da aderência medicamentosa com nossos pacientes cardiopatas. O exemplo clássico seria o da insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida em que o paciente muitas vezes tem que tomar 7, 8 ou mesmo 10 medicações diferentes todos os dias. Apesar de sabermos os inúmeros benefícios destas terapêuticas (ex: ieca, bbloq, espironolactona, etc) na evolução destes indivíduos, a aderência a estas medidas nem sempre é boa por motivos óbvios.
  • O paciente com FA também sofre com frequência o problema do uso de múltiplos medicamentos simultaneamente já que geralmente a arritmia vem acompanhada de outras comorbidades com HAS, DM, DLP, cardiopatia estrutural, etc.
  • No caso do anticoagulante, especificamente, há uma série de problemas em particular: muitas vezes o paciente que sofre sangramento menores como gengivorragia ou epistaxe termina suspendendo a medicação mesmo que não haja indicação formal para isto; no caso dos pacientes que usam varfarina há o incômodo adicional da necessidade de monitorização frequente do INR além do fato de praticamente qualquer medicação VO poder alterar o efeito da medicação levando a necessidade de ajustes adicionais.
  • O fato da estratégia mostrada no trabalho aumentar de forma significante o uso do anticoagulante numa população com indicação formal desta terapêutica traz relevante informação científica para quem trabalha com este tipo de paciente. A grande questão é: como poderia aplicar o protocolo usado no estudo em meu serviço? O quão factível é? Preciso de uma estrutura complexa para isso? Para esclarecer estas perguntas em maiores detalhes, devemos fazer em breve um vídeo com o Dr Renato Lopes falando maiores detalhes sobre o estudo.
  • E sobre a questão da diminuição de AVC observada? É um achado definitivo? Não, não é. Isto porque é um endpoint secundário do estudo e como já comentamos diversas vezes, endpoints secundários servem basicamente para levantar hipóteses, não para confirmá-las. Mas de fato faz sentido haver esta diferença uma vez que para que o anticoagulante faça a sua função de reduzir o risco de AVCI, obviamente o paciente tem que estar aderente à medicação.

Referênca: Vinereanu G et al.

A multifaceted intervention to improve treatment with oral anticoagulants in atrial fibrillation (IMPACT-AF): an international, cluster-randomised trial. Lancet 2017.