Começa Uma Nova Era na Eletrofisiologia? Ablação não invasiva de taquicardia ventricular!

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Começa Uma Nova Era na Eletrofisiologia? Ablação não invasiva de taquicardia ventricular!

No congresso da Associação Americana do Cardiologia de 2018 (American Heart Association – AHA) foi apresentada uma nova técnica de ablação não invasiva de taquicardia ventricular (TV). Foi projetado um filme de um paciente com TV refratária, que foi submetido a um procedimento totalmente indolor de ablação estereotáxica. Não havia cateteres, nem acessos venosos ou anestesia. O procedimento durou poucos minutos e após seu sucesso, o paciente saiu do laboratório de eletrofisiologia sorrindo e acenando para seu médico.

O filme descrito acima abriu a apresentação do estudo ENCORE-VT, que descreveu essa técnica promissora de ablação não invasiva utilizando radiação estereotáxica em 19 pacientes com TVs refratárias. Os resultados de eficácia mostraram uma redução média de TV de 119 para 3 eventos (P < 0,001) e redução de episódios de TV ou na densidade de extrassístoles ventriculares em 17 dos 18 pacientes. A média de choques do cardiodesfibrilador implantável (CDI) pré-ablação caiu de 4 para 0. As taxas de sobrevida foram de 89% e 72% em 6 e 12 meses, respectivamente.

Em relação aos aspectos de segurança, uma única dose de 25 Gy não causou qualquer toxicidade ou disfunção do CDI, porém um paciente evoluiu com pericardite e outro com pneumonite sem maiores gravidades. A fonte de energia utilizada é o conhecido raio X, o mesmo utilizado no tratamento de tumores sólidos há anos e com doses semelhantes.

O sucesso do procedimento refletiu uma íntima parceria entre o eletrofisiologista e o oncologista (especialista em radioterapia). O mecanismo pelo qual a radiação elimina o foco de taquicardia ainda é não é bem conhecido, pois a aplicação tende a ser muito pontual, não necessariamente homogeneizando a cicatriz. Além do mais, a fibrose produzida pelo raio X demora semanas a meses para se estabelecer e os resultados da técnica parecem ser quase imediatos.

Apesar do procedimento durar apenas 15 minutos, essa aparente simplicidade esconde a complexidade dos preparativos. Os autores utilizaram tomografia computadorizada, ressonância magnética e tomografia com emissão de pósitrons para definir a anatomia dos circuitos arritmogênicos. Posteriormente, eles induziam a TV de forma não invasiva por meio do CDI e a registravam com um eletrocardiograma de superfície (uma veste com 250 eletrodos que cobriam o tórax do paciente). Um software combinava as informações anatômicas e elétricas para definir, de forma precisa, o alvo a ser atacado.

Apesar de extremamente esperançosos em relação a técnica, os autores deixaram claro que ela ainda é experimental e precisa ser reproduzida em um estudo prospectivo e multicêntrico.

Nota do editor (Eduardo Lapa): Este estudo de fato pode mudar completamente o campo da eletrofisiologia. Em um dos podcasts que ouvi o comentário foi de que esse estudo provavelmente era o mais importante da EEF desde que o Dr Haissaguere descreveu no New England que a fibrilação atrial tendia a surgir de focos ao redor das veias pulmonares. Isso foi em 1998! Exagero? O tempo dirá.

Referências:

1. John M. Mandrola. ENCORE-VT: Noninvasive Ablation of VT Could Disrupt EP - Medscape - Nov 13, 2018.

2. Robinson CG, Samson PP, Moore KMS, et al. Phase I/II trial of electrophysiology-guided noninvasive cardiac radioablation for ventricular tachycardia. Circulation. Published online November 10, 2018.

3. Cuculich PS, Schill MR, Kashani R, et al. Noninvasive cardiac radiation for ablation of ventricular tachycardia. N Engl J Med. 2017; 377:2325-2336.