Colchicina na coronariopatia: infarto prévio influencia o efeito benéfico?

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Colchicina na coronariopatia: infarto prévio influencia o efeito benéfico?

Existe um crescente interesse no uso de terapias capazes de reduzir a inflamação da placa aterosclerótica com o intuito de prevenir eventos cardiovasculares. O canakinumab, um anticorpo monoclonal inibidor de IL-1β, foi o primeiro medicamento especificamente direcionado a esta via que teve eficácia comprovada na prevenção de eventos cardiovasculares em pacientes pós-infarto do miocárdio no estudo CANTOS1. Posteriormente, a colchicina, um medicamento barato, seguro e amplamente disponível, também se mostrou eficaz nesse sentido, conforme demonstrado pelos estudos pivotais COLCOT e LoDoCo-22,3. Haveria papel para uso da colchicina em todo o espectro da doença arterial coronária (DAC)?

Em uma sub-análise do estudo LoDoCo-2, publicada recentemente no periódico Journal of the American College of Cardiology, os autores exploraram em detalhes os efeitos da colchicina em pacientes com ou sem histórico prévio de síndrome coronária aguda (SCA)4. O estudo principal incluiu 5522 pacientes com DAC, dos quais 864 não tinham histórico de SCA, 1479 tinham histórico de SCA recente (nos últimos 6-24 meses), 1582 tinha SCA remota (2-7 anos) e 1597 tinham SCA muito remota (> 7 anos do último evento). Pacientes com SCA nos últimos 6 meses não foram incluídos no estudo LoDoCo-2, assim como pacientes com disfunção renal (isto é, taxa de filtração glomerular <50 mL/min/1.73 m2). No estudo global, o desfecho principal, o composto de morte cardiovascular, infarto, AVC isquêmico ou revascularização coronária devido à isquemia, foi reduzido de maneira significativa com a colchicina 0,5 mg uma vez ao dia versus o placebo (hazard hatio [HR] 0,69; IC 95% 0,57-0,83; p < 0,001). Este benefício foi consistente nos quatro subgrupos mencionados (sem SCA, SCA recente, SCA remota e SCA muito remota), com uma p de interação = 0,59 (ou seja, mostrando que não houve evidência de heterogeneidade no efeito da colchicina entre estes quatro subgrupos de pacientes analisados). O que estes resultados representam e o que eles ajudam na nossa prática clínica?

A referida sub-análise tem algumas limitações que devem ser mencionadas. Primeiramente, o grupo de pacientes sem história de SCA era muito pequeno (cerca de 15%) em relação ao global da população incluída, de tal maneira que novos estudos devem confirmar se de fato existe benefício da colchicina em pacientes com DAC ou outras doenças ateroscleróticas mas sem história de SCA. Em segundo lugar, apesar de o subgrupo com ou sem SCA prévia ter sido pré-especificado (ou seja, definido antes de as análises estatísticas do estudo serem feitas), os tempos de definição de SCA recente, remota ou muito remota não o foram. Apesar dessas limitações, esta publicação trouxe um dado importante ao sugerir o benefício da colchicina independente do fato de o paciente ter tido ou não uma SCA. Assim sendo, esta medicação, que é amplamente disponível e de baixo custo, tem uma potencial utilidade em todos os espectros da doença coronária. Possivelmente, consiste em um medicamento a ser incorporado em diretrizes futuras e na nossa prática clínica, com o intuito de se prevenir a ocorrência de complicações cardiovasculares em nossos pacientes.

  1. Ridker PM, Everett BM, Thuren T, et al.; CANTOS Trial Group. Antiinflammatory Therapy with Canakinumab for Atherosclerotic Disease. N Engl J Med. 2017; 377(12): 1119-1131.
  2. Tardif JC, Kouz S, Waters DD, et al. Efficacy and Safety of Low-Dose Colchicine after Myocardial Infarction. N Engl J Med. 2019; 381(26): 2497-2505.
  3. Nidorf SM, Fiolet ATL, Mosterd A, et al.; LoDoCo2 Trial Investigators. Colchicine in Patients with Chronic Coronary Disease. N Engl J Med. 2020 Nov 5;383(19):1838-1847.
  4. Opstal TSJ, Fiolet ATL, van Broekhoven A, et al. Colchicine in Patients With Chronic Coronary Disease in Relation to Prior Acute Coronary Syndrome. J Am Coll Cardiol. 2021; 78(9):859-866.