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Colchicina após IAM: resultados surpreendentes e controversos do CLEAR SYNERGY
Escrito por
Ivson Braga
Publicado em
28/11/2024
Nos últimos anos, a teoria inflamatória da doença coronária tem ganhado destaque. Vários agentes anti-inflamatórios foram testados em ensaios clínicos com demonstração de benefícios. São exemplos: terapia com anticorpo monoclonal (canakinumabe) e a colchicina.
A diretriz de SCA da ESC 2023, coloca que a colchicina em dose baixa (0,5 mg/dia) pode ser considerada (classe IIb), principalmente se outros fatores de risco não forem controlados ou na presença de eventos recorrentes de doenças cardiovasculares. Por sua vez, na última diretriz de DAC crônica da ESC 2024, a colchicina em dose baixa (0,5 mg/dia) passou a receber indicação classe IIa para tratamento da DAC crônica para redução de IAM, AVC e necessidade de revascularização. Essas novas recomendações seguem as evidências que surgiram nos últimos anos. O COLCOT (em pacientes pós IAM) e LoDoCo2 (em pacientes com DAC crônica) demonstraram uma redução significativa de 23% e 31% em eventos cardiovasculares, respectivamente. Uma meta-análise publicada esse ano, avaliou o impacto da colchicina na prevenção secundária de AVCI e eventos cardiovasculares maiores (MACE) em pacientes com histórico de doença coronariana ou AVCI. Com dados de seis ensaios clínicos controlados, com 14.934 pacientes, o estudo mostrou evidências significativas sobre eficácia e segurança da colchicina.
Publicado há alguns dias, o CLEAR SYNERGY OASIS 9 trial (Colchicine in Acute Myocardial Infarction) traz, de forma inesperada, resultados neutros na redução de desfechos.
O CLEAR SYNERGY OASIS 9 é um estudo multicêntrico, randomizado e controlado, com desenho fatorial 2x2 (um dos braços testou colchicina vs placebo, o outro, espironolactona vs placebo em pacientes pós IAM) e incluiu 7.062 pacientes de 104 centros em 14 países. Os participantes foram distribuídos para receber colchicina (0,5 mg/dia) ou placebo e acompanhados por uma mediana de três anos. O desfecho primário foi um composto de morte cardiovascular, reinfarto, acidente vascular cerebral (AVC) ou revascularização coronariana não programada. Marcadores inflamatórios, como a proteína C-reativa (PCR), foram monitorados. A idade média dos pacientes foi de 61 anos, 20,4% eram mulheres, 18,5% tinham diabetes mellitus, 95,1% dos pacientes tiveram IAM com supra de ST.
Os principais resultados incluem:
- Não houve redução significativa no desfecho primário entre os grupos de colchicina e placebo (9,1% vs. 9,3%; HR 0,99; IC 95%: 0,85–1,16; p=0,93).
- A redução nos níveis de PCR em três meses foi maior no grupo colchicina (-1,28 mg/L; IC 95%: -1,81 a -0,75).
- A incidência de diarreia foi mais alta no grupo colchicina (10,2% vs. 6,6%; p<0,001), mas eventos adversos graves, como infecções, foram semelhantes entre os grupos.
Alguns detalhes importantes sobre os resultados:
- Na análise de subgrupo, houve uma tendência para menos eventos em pacientes ≥ 70 kg tratados com colchicina 0,5 mg 2x ao dia. Esse regime de dosagem foi abandonado no início do trabalho pela presença de efeitos colaterais.
- Houve uma sugestão de benefício no período antes da pandemia, apesar do teste estatístico de interação tenha sido negativo (P = 0,098).
- ¼ dos pacientes descontinuaram o tratamento.
- Em decorrência da pandemia, a adesão foi avaliada por meio de análise dos registros.
Algumas hipóteses podem justificar os resultados do CLEAR SYNERGY. Uma delas seria em detrimento do número de eventos no CLEAR SYNERGY ter sido mais do que o dobro do observado no COLCOT. Além disso, o impacto da pandemia deve ser considerado, pois a condução do estudo nesse período trouxe desafios em relação à adesão, seguimento adequado e até possíveis influências na incidência de eventos adversos. Por fim, os níveis de proteína C-reativa (PCR) significativamente mais altos no CLEAR SYNERGY, em comparação com o COLCOT, refletem um perfil inflamatório basal diferente nos pacientes, o que pode ter impactado a resposta à intervenção.
Os resultados surpreendentes e conflitantes do estudo CLEAR SYNERGY levantam dúvidas sobre o real benefício da colchicina na doença coronária aguda, justamente no momento em que as diretrizes atuais começam a recomendar seu uso. Embora o potencial anti-inflamatório da medicação permaneça relevante, novas pesquisas serão necessárias para definir melhor seu papel na prevenção de eventos cardiovasculares.
Referências:
Jolly, Sanjit S et al. “Colchicine in Acute Myocardial Infarction.” The New England journal of medicine, 10.1056/NEJMoa2405922. 17 Nov. 2024, doi:10.1056/NEJMoa2405922