Cagrisema: o que você precisa saber

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A amilina é um peptídeo glucorregulador co-secretado com insulina pelas células beta do pâncreas, em resposta ao influxo nutricional. Como um peptídeo anorexígeno, a amilina diminui o apetite, regula os níveis de glicose, a secreção de glucagon e retarda o esvaziamento gástrico. Além disso, apresenta efeitos generalizados na homeostase energética, diminuindo a adiposidade e aumentando o gasto energético.

Esses efeitos levaram à investigação da amilina como tratamento para diabetes e obesidade. O primeiro análogo da amilina, o pramlintida, foi aprovado para o tratamento do diabetes em 2005. A pramlintida difere da amilina humana por apenas 3 substituições de prolina. Tem uma meia-vida curta de 20 a 45 minutos e é injetado por via subcutânea 3 vezes ao dia. Em ensaios clínicos com portadores de diabetes, a pramlintida mostrou perda de peso significativa, além do controle da glicose.

Acredita-se que o efeito anorexígeno da amilina seja mediado por uma estimulação de receptores específicos na área postrema. Outros locais relacionadoas a sua ação central incluem o núcleo do trato solitário e o núcleo parabraquial lateral, que transmitem o sinal neural para a área hipotalâmica lateral e outros núcleos hipotalâmicos. A amilina também pode sinalizar adiposidade visto que seus níveis plasmáticos aumentam na adiposidade e porque concentrações mais altas de amilina no cérebro resultam em redução do ganho de peso corporal e adiposidade, enquanto seus antagonistas aumentam tais parâmetros.

No desenvolvimento de análogos da amilina de segunda geração, havia 2 barreiras principais: (1) evitar a agregação da proteína amilina e (2) estender a meia-vida do análogo. Em pacientes com DM2, sabe-se que a amilina humana se acumula nas ilhotas pancreáticas de Langerhans, formando agregados de oligômeros que contribuem para o dano às células beta no DM2. Esses agregados tóxicos aumentam o estresse oxidativo na célula, formando espécies reativas de oxigênio e danificando as estruturas celulares. Supõe-se que o mecanismo seja semelhante ao processo intracelular que leva ao dano neuronal na doença de Alzheimer, o que tem justificado a nomenclatura de diabetes tipo 3. O análogo Cagrilintida contém alterações estruturais que estabilizam sua estrutura, impedindo a formação de fibrilas. A adição de um ácido graxo aumentou a meia vida, permitindo o uso semanal, sem alterar a potência de ação em relação a amilina endógena.

Dois ensaios clínicos investigaram a eficácia da cagrilintida em comparação com os agonistas do GLP-1 liraglutida e semaglutida. No estudo de cagrilintida versus liraglutida, foram incluídos 706 pacientes acompanhados por um período de tratamento de 26 semanas. A redução de peso foi maior com todas as doses de cagrilintide (6,0 a 10,8%) sem atingir um platô ao longo das 26 semanas.

Um estudo subsequente de fase 1b, examinou a segurança, tolerabilidade, farmacocinética e farmacodinâmica da cagrilintida em combinação com a semaglutida. Embora os dois agentes induzam a saciedade, exercem seus efeitos em diferentes regiões do cérebro, sugerindo um efeito sinérgico na regulação do apetite, justificando a investigação de uma terapia combinada. Na semana 20, observou-se que as reduções de peso corporal foram maiores no grupo de terapia combinada, comparada a monoterapia com semaglutida (15,7% para cagrilintida 1,2 mg e 17,1% para cagrilintida 2,4 mg adicionados a dose máxima de semaglutida). Análises farmacodinamicas demonstraram não haver interferência entre as 2 medicações. Outros benefícios incluíram reduções modestas no perfil lipídico e na pressão arterial.

Mais recentemente, foram anunciados os resultados iniciais do estudo fase 3 REDEFINE 1. Trata-se de um acompanhamento de 68 semanas investigando a  CagriSema (uma combinação de dose fixa de cagrilintide 2,4 mg e semaglutida 2,4 mg) em comparação com os componentes individuais cagrilintide 2,4 mg, semaglutida 2,4 mg e placebo, todos administrados uma vez por semana. Foram incluídas 3.417 pessoas randomizadas com obesidade ou sobrepeso com uma ou mais comorbidades e peso corporal basal médio de 106,9 kg.

O estudo seguie um protocolo flexível, permitindo que os pacientes ajustasses sua dosagem durante todo o acompanhamento. Após 68 semanas, 57,3% dos tratados com CagriSema estavam na dose mais alta em comparação com 82,5% do grupo com cagrilintide 2,4 mg e 70,2% dos em uso de semaglutida 2,4 mg.

Quando considerados apenas os aderentes, o grupo com CagriSema alcançou uma perda de peso de 22,7% em comparação com uma redução de 11,8% com cagrilintide 2,4 mg, 16,1% com semaglutida 2,4 mg e 2,3% do grupo placebo. Além disso, 40,4% dos pacientes que receberam CagriSema alcançaram uma perda de peso de 25% ou mais. Quando seguido o protocolo de intenção de tratar a perda foi de 20,4%, também superior aos comparadores.

No ensaio, a CagriSema, demonstrou um perfil bem tolerado. Os eventos adversos mais comuns foram gastrointestinais, a grande maioria leve a moderada e com redução de incidência ao longo do tempo, consistente com os estudos prévios com agonistas de GLP-1.

Os resultados do segundo estudo principal, REDEFINE 2, em adultos com diabetes tipo 2 e obesidade ou sobrepeso são esperados durante o primeiro semestre de 2025. Mas dados anteriores de estudo fase 2, mostraram reduções significativamente maiores em HbA1c (vs cagri) e peso corporal (vs sema e cagri) na semana 32. A proporção de pacientes que atingiram HbA1c <7,0% e ≤6,5% foi de 89% e 75% para CagriSema, 69% e 48% para sema e 33% e 17% para cagri na semana 32. CagriSema melhorou o controle glicêmico e levou a perda significativa de peso em comparação com sema ou cagri, e foi bem tolerado.

A semaglutida já se consolidou com beneficios inequívocos no tratamento do diabetes tipo 2 e da obesidade, com benefícios em reduçao de mortalidade cardiovascular e diversas comorbidades como a doença hepática metabólica e a nefropatia diabética. Pela atuaçao sinérgica em diferentes sítios, a associação Cagrisema promete ampliar ainda mais esses beneficios. Estamos no aguardo.