Ainda devo esperar 5 dias após a suspensão do clopidogrel antes de operar o paciente?

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Ainda devo esperar 5 dias após a suspensão do clopidogrel antes de operar o paciente?

Cerca de 10-15 % dos pacientes admitidos com síndromes coronárias agudas (SCA) vão necessitar de cirurgia de revascularização do miocárdio durante a mesma internação. Caso tenham recebido clopidogrel antes da cinecoronariografia (e portanto antes de se conhecer a anatomia, a fim de se indicar cirurgia ou não), devem aguardar pelo menos 5 dias após a suspensão da medicação a fim de se proceder à operação com segurança, evitando sangramento cirúrgico. Essa recomendação é embasada por diversas diretrizes e também pela bula do medicamento. Porém ela não leva em conta o fato de que muitos pacientes podem recuperar a reatividade plaquetária bem antes desse prazo. A figura abaixo resume com quanto tempo devemos suspender antiplaquetários antes de cirurgias eletivas. No caso do AAS em prevenção secundária, mantém-se a medicação no caso de revascularização miocárdica.

Um trabalho feito por pesquisadores do Instituto do Coração da Faculdade de Medicina da USP e recentemente publicado no Journal of the American College of Cardiology traz novas informações a respeito dessa questão1. Nakashima e colaboradores estudaram 190 pacientes admitidos com SCA, que haviam recebido dose de ataque de clopidogrel e tinham indicação cirúrgica após realizada a coronariografia. Os pacientes foram randomizados para duas estratégias. O grupo controle era submetido à operação após aguardar os tradicionais 5 dias após a suspensão do clopidogrel. Já no grupo intervenção era realizado diariamente um teste de reatividade plaquetária (Multiplate Analyzer® da Roche Diagnostics) após a suspensão do clopidogrel.  No momento em que o paciente se recuperava da inibição plaquetária, a cirurgia era liberada. O desfecho primário do estudo foi sangramento pelo dreno torácico nas primeiras 24 horas após a cirurgia. A estratégia guiada pelo teste de reatividade plaquetária teve taxa de sangramento igual à da estratégia padrão (mediana 350 mL vs 350 mL; p para não inferioridade < 0.001), além de os pacientes terem sido operados um dia mais cedo. Além disso, houve uma redução de 11% na despesa hospitalar (já se levando em conta o custo do exame laboratorial) no grupo intervenção.

O que estes resultados nos ajudam na prática clínica? Em primeiro lugar, eles reforçam o fato de que existe uma grande variabilidade na resposta individual ao clopidogrel, e que talvez a tradicional estratégia de “um tamanho para todos” não seja a ideal. Em segundo lugar, pela primeira vez, um ensaio clínico randomizado mostra a utilidade de se avaliar rotineiramente e reatividade plaquetária em pacientes utilizando clopidogrel, neste caso, com o propósito de se programar a intervenção cirúrgica. O estudo não teve poder para comparar desfechos como mortalidade ou sangramento grave com as duas estratégias, de modo que novos estudos confirmatórios são bem-vindos e de preferência com maior quantidade de pacientes. Além disso, o estudo não incluiu pacientes em uso de ticagrelor. Sabe-se que este, por ser um bloqueador de receptor do ADP reversível, tem um período de cessação do efeito mais curto do que o clopidogrel (cerca de 3 a 5 dias). Apesar disso, o estudo de Nakashima é extremamente importante pois traz uma nova ferramenta que pode nos ajudar na condução de nossos pacientes com SCA. Caso o exame seja disponível, uma estratégia de avaliação rotineira da reatividade plaquetária após a suspensão do clopidogrel,  a fim de programar a cirurgia do paciente com SCA mostrou-se segura e custo-efetiva e portanto deve ser considerada.

REFERÊNCIA

  • Nakashima CAK, Dallan LAO, Lisboa LAF, Jatene FB, Hajjar LA, Soeiro AM, Furtado RHM, et al. Platelet Reactivity in Patients With Acute Coronary Syndromes Awaiting Surgical Revascularization J Am Coll Cardiol 2021; 77:1277–86.