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Ácido bempedoico para controle do colesterol reduz infarto do miocárdio
Escrito por
Humberto Graner
Publicado em
6/3/2023
O tratamento com ácido bempedoico em pacientes com dislipidemia e intolerância a estatinas foi associado a um menor risco de eventos cardiovasculares adversos graves, de acordo com os resultados do estudo CLEAR OUTCOMES.
Qual o racional para se realizar este estudo?
Estatinas são as medicações mais efetivas em reduzir risco cardiovascular em pacientes com hipercolesterolemia. No entanto, 7 a 29% dos pacientes relatam efeitos musculoesqueléticos ou outros efeitos, que pode limitar a adesão às doses de estatinas preconizadas por diretrizes.
O que é o ácido bempedoico?
O ácido bempedoico é um inibidor da enzima ATP-citrato liase, que atua na mesma via intracelular que as estatinas: a via de síntese do colesterol. Na sequência metabólica, esta enzima se encontra antes da HMG-CoA-redutase (inibida pelas estatinas) e cataboliza a síntese de citrato em acetil-CoA. Ao final, portanto, o efeito será o mesmo: diminuição da síntese intracelular de colesterol e consequente aumento da expressão de receptores de LDL-colesterol (LDL-c) na membrana plasmática, levando ao aumento do clearence plasmático de LDL-c. No entanto, o ácido bempedoico é um pró-fármaco que é ativado no fígado e não na maioria dos tecidos periféricos, incluindo o músculo esquelético, um fator que pode reduzir o potencial de efeitos adversos.
Quais foram os principais achados do estudo CLEAR OUTCOMES?
Foram 13.970 pacientes para receber ácido bempedoico 180mg (n=6.992) ou placebo (n=6.978). A média de LDL-C no início do estudo foi de 139 mg/dL em ambos os grupos, e a duração mediana do acompanhamento foi de 40,6 meses. A incidência do desfecho primário (morte cardiovascular, infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral, revascularização coronária) foi observada em 11,7% no grupo tratamento versus 13,3% no grupo placebo (HR 0,87, IC95% 0,79-0,96; p = 0,004).
Estes resultados foram devidos, principalmente, à redução significativa de infarto não fatal (3,7% vs. 4,8%, p = 0,002) e revascularização coronária (6,2% vs. 7,6%, p = 0,001). Não houve diferenças significativas nas incidências de AVC ou morte por todas as causas. Embora relativamente seguro, foram observados mais casos de gota e colelitíase com o ácido bempedoico do que com o placebo, assim como elevação do ácido úrico sérico.
Alguns pontos para refletir:
Foi um estudo inequivocamente positivo, mas o tamanho do efeito foi pequeno. A redução estatisticamente significativa de 13% no desfecho primário traduziu-se em uma modesta redução de risco absoluto de 1,6%. Isso se traduz em um NNT de 63 pacientes em 4 anos para reduzir um evento isquêmico cardíaco. Há outra questão também: as evidências nos dizem que a intolerância à estatina é rara. A prática clínica, nos mostra que esta intolerância às estatinas é real. Teremos que lidar com o dilema entre insistir com estatinas, com benefícios inequívocos, ou trocá-las pelo ácido bempedoico, um medicamento mais caro e com benefícios modestos.
Qual a mensagem principal?
O ácido bempedoico agora entrou na lista de medicamentos baseados em evidências alternativas às estatinas para prevenção primária e secundária em pacientes com alto risco cardiovascular. Vale a pena reforçar que devemos insistir e avaliar muito cuidadosamente se existe ou não intolerância verdadeira às estatinas, que continuam sendo a primeira, a segunda, e até a terceira opção para estes pacientes.
ReferênciaNissen SE, Lincoff AM, Brennan D, et al. Bempedoic acid and cardiovascular outcomes in statin-intolerant patients. N Engl J Med. DOI: 10.1056/NEJMoa2215024.