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Vigilância ativa no carcinoma de tireoide é possível
Escrito por
Erik Trovao
Publicado em
22/9/2022
O tratamento do carcinoma papilífero de tireoide tem evoluído nos últimos anos para uma conduta cada vez mais individualiza, baseada no risco de mortalidade e, especialmente, de recorrência do tumor. Sendo assim, condutas mais conservadoras como lobectomia no lugar da tireoidectomia total têm sido sugeridas. Entre estas condutas, no entanto, a vigilância ativa é a que mais gera angústia no profissional e, sem dúvida, é a que menos encontra espaço até mesmo entre especialistas.
No entanto, diversas evidências têm demonstrado a segurança da vigilância ativa quando indicada para o paciente de baixo risco, especialmente naqueles com microcarcinoma papilífero de tireoide (tumores < 1 cm). Em apenas 10% dos casos ocorre crescimento do tumor e em menos de 5% dos casos ocorre metástase para linfonodos. Já metástase à distância não foi descrita em nenhum caso. Recente revisão sistemática publicada pela American Thyroid Association também não demonstrou aumento de mortalidade nos indivíduos submetidos à vigilância ativa.
Portanto, a vigilância ativa pode sim ser indicada quando o paciente é bem selecionado. Mas quem seria exatamente este paciente? Com o objetivo de uniformizar a conduta em pacientes de baixo risco, incluindo a indicação de vigilância ativa, o Departamento de Tireoide da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia publicou, neste mês, a sua recomendação para o tratamento do carcinoma papilífero de tireoide de baixo risco.
Em relação à vigilância ativa, os autores incluíram na recomendação apenas os pacientes com microcarcinoma, uma vez que estes compõem o grupo com maior número de evidências para tal conduta. E estabeleceram os três principais pontos que devem ser considerados no momento da decisão:
- as características do nódulo;
- as características do paciente;
- e as características da equipe multidisciplinar que acompanhará o paciente.
De acordo com a avaliação destas características, o paciente poderá ser classificado como ideal, apropriado ou inapropriado para a vigilância ativa. Aqueles classificados como ideal ou apropriado podem ser apenas seguidos sem cirurgia. Já aqueles classificados como inapropriados têm a vigilância ativa contraindicada, devendo ser encaminhados para a cirurgia.
O paciente ideal seria aquele com as seguintes características:
- Características do nódulo: solitário, com margens bem definidas, sem metástases linfonodais ou à distância e sem extensão extratireoidiana.
- Características do paciente: idade > 60 anos, aceitação quanto à vigilância (assim como a sua família), presença de comorbidades com risco de morte, condições de manter o seguimento.
- Características da equipe: serviço com equipe multidisciplinar experiente, acesso à ultrassonografia de qualidade, coleta de dados prospectivos e programas para lembrar sobre os retornos do paciente.
O paciente apropriado seria aquele com as seguintes características:
- Características do nódulo: multifocal; localização subcapsular (não adjacente ao nervo laringeo recorrente).
- Características do paciente: idade entre 18 e 59 anos, história familiar importante e potencial para engravidar.
- Características da equipe: presença de endocrinologista e cirurgião de cabeça e pescoço experientes e acesso à ultrassonografia.
O paciente inapropriado para vigilância ativa seria aquele com as seguintes características:
- Características do nódulo: citologia agressiva, localização subcapsular adjacente ao nervo laríngeo recorrente, presença de metástase linfonodal ou à distância, evidência de extensão extratireoidiana.
- Características do paciente: idade < 18 anos, incapacidade de manter o acompanhamento ou não aceitação da conduta conservadora.
- Características da equipe: pouca experiência, ultrassonografia não disponível, não concordância com a vigilância ativa.
Como é possível perceber, para que a vigilância ativa seja implementada é preciso que a equipe médica esteja preparada para a conduta conservadora, uma vez que o seguimento rotineiro é indispensável. Afinal, o paciente deverá realizar ultrassonografia cervical a cada 6 meses nos dois primeiros anos.
Caso seja detectado aumento acima de 3 mm na dimensão do nódulo, detecção de metástase linfonodal ou extensão extratireoidiana do tumor, a vigilância ativa deve ser encerrada e a tireoidectomia indicada. Mudança no desejo do paciente em manter a conduta conservadora também deve ser levada em consideração. Passados 2 anos, se nenhuma mudança for evidenciada, o seguimento pode passar a ser anual.
Em relação à terapia supressiva com levotiroxina durante a vigilância ativa, os autores não a recomendam por falta de ensaios clínicos randomizados que avaliem a eficácia e a segurança de tal conduta. No entanto, os níveis de TSH devem ser mantidos dentro dos valores de referência e pacientes com hipo ou hipertireoidismo concomitantes devem ser devidamente controlados.
Percebe-se, portanto, que pacientes devidamente selecionados com microcarcinoma papilífero de tireoide podem ser apenas acompanhados sem necessidade de cirurgia, desde que o serviço e a equipe estejam preparados para o seguimento regular.
Sendo importante esclarecer os pacientes e ainda vários especialistas que temem a vigilância ativa que tal conduta pode ser abandonada a qualquer momento sem prejuízo para o prognóstico do paciente.