Compartilhe
Vale a pena operar paciente assintomático com insuficiência mitral importante?
Escrito por
Eduardo Lapa
Publicado em
23/3/2017
Paciente com insuficiência mitral (IM) primária importante e sintomático é fácil de decidir a conduta clínica: cirurgia. Mas e quando o paciente com IM importante vem ao cardiologista sem sintomas. Vale a pena operar precocemente? Há uma série de fatores que vão influenciar nesta decisão. Os principais são:
- tamanho do ventrículo
- fração de ejeção (FE) do VE
- presença de hipertensão pulmonar (HP)
- surgimento de fibrilação atrial nova (FA)
- experiência do serviço com plástica mitral
Detalhando melhor:
Paciente com IM que apresenta FE < 60% já possui disfunção de VE. Como assim? Mas o limite inferior da normalidade para a fração de ejeção não fica em torno de 52%-55%? Sim. Mas no caso da IM, há uma superestimativa da FE. Basta lembrar do nosso post de como se calcula a FE. Na item 5 da parte de dicas práticas explicamos detalhadamente o motivo.
Ou seja, se a IM já está relevante o suficiente para começar a gerar déficit contrátil do VE, já vale a pena realizar a cirurgia para corrigi-la, mesmo que o paciente não refira sintomas. O mesmo ocorre em pacientes com diâmetro sistólico final de VE (DSVE) > ou = a 40 mm. Normalmente quando o VE começa a dilatar a este ponto, é porque já a disfunção contrátil associada. Em ambos os casos, está indicada cirurgia para tratamento da IM. Qual o melhor tipo de cirurgia? Plástica ou troca valvar? Via de regra, a plástica é melhor que a troca valvar em todos os cenários. Para isso, contudo, ela tem que ser feita com sucesso na maioria dos casos (vide posteriormente). Há situações onde simplesmente a plástica não é factível tecnicamente.
Uma dúvida: já li alguma vez na diretriz que FE muito baixa (<30%) contraindica a cirurgia. É isso mesmo? Na verdade, não. O que ocorre é que quando a disfunção do VE fica em grau importante na IM, geralmente perdeu-se o melhor timing de se operar o paciente. O VE já está muito remodelado, normalmente há muita HP associada e o risco da cirurgia aumenta significativamente. Por isso, o grau de recomendação para a cirurgia nestes casos cai de I (está recomendada) para IIb (pode ser considerada em casos selecionados).
OK. E em relação à FA e à HP? São indicações de cirurgia? Depende. Em pacientes com IM importante, com FE preservada e DSVE normal, o surgimento de FA nova ou níveis de HP acima de 50 mmHg indicam também doença já em grau mais avançado, com importante sobrecarga de átrio esquerdo e com aumento da pressão venocapilar pulmonar. Nestes casos, a cirurgia está indicada desde que a plástica mitral seja tecnicamente factível e o serviço tenha resultados para casos similares ao do seu paciente muito bons. O que seriam exatamente resultados muito bons? Mortalidade perioperatória inferior a 1% e sucesso de plástica (ou seja, ausência de refluxo significante) superior a 95%. Quem trabalha com cirurgia cardíaca sabe que estes números não são facilmente reprodutíveis em qualquer serviço.
OK, mas e se meu serviço não tiver resultados tão bons com plástica de mitral? O que faço? Indico troca valvar mitral mesmo? Não. A diretriz americana recomenda seguir o paciente periodicamente. Quando surgirem sintomas ou o VE começar a dilatar ou a cair FE - aí indica-se a troca valvar.
Dica: sempre rechecar a informação de que o paciente é assintomático. Muitas vezes o paciente nega sintomas mas quando vamos detalhar melhor suas atividades, vemos que ele vem se autolimitando. Exemplo: paciente antes subia 4 lances de escada para chegar ao trabalho mas nos últimos meses vem apenas usando o elevador. Sempre é interessante perguntar medidas mais objetivas de capacidade funcional.