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Tratamento do diabetes mellitus em pacientes oncológicos: uma mudança de paradigma
Escrito por
Ícaro Sampaio
Publicado em
28/1/2025
Levando em consideração os potenciais efeitos negativos da hiperglicemia na evolução de pacientes oncológicos, alcançar um bom controle glicêmico ao longo do tratamento (tanto em ambientes de internação, quanto ambulatoriais) deve ser um dos objetivos do manejo desses pacientes. No entanto, a tratamento do diabetes mellitus em pacientes com câncer requer uma "mudança de paradigma" em comparação com os pacientes sem doença oncológica.
Nos últimos anos, evidências crescentes levaram à consideração de uma abordagem multimodal precoce e proativa em relação a pacientes com DM. Diretrizes recentes endossam o uso precoce de algumas classes de antidiabéticos com benefícios cardiovasculares e renais comprovados, como inibidores do cotransportador de sódio-glicose 2 (iSGLT2) e agonistas do receptor de GLP-1 (GLP1-RAs. Além disso, tais diretrizes recomendam buscar um controle glicêmico rigoroso na maioria dos pacientes não frágeis com DM para minimizar o risco de complicações diabéticas crônicas.
Embora o risco cardiovascular e as complicações não devam ser subestimados em pacientes com câncer e DM, a escolha da terapia e das metas glicêmicas deve ser cuidadosamente avaliada e individualizada. Nesse cenário, os objetivos do tratamento mudam da prevenção de complicações crônicas e controle do risco cardiovascular/renal para a manutenção de níveis glicêmicos aceitáveis, minimizando interações medicamentosas e eventos adversos e melhorando o estado nutricional com o objetivo final de melhorar o bem-estar do paciente e a adesão à terapia oncológica.
Vários fatores contribuem para determinar as metas glicêmicas no cenário de pacientes com câncer com DM. Em particular, o status geral de desempenho, expectativa de vida, estágio da doença, risco de hipoglicemia, comorbidades e presença de cuidadores são essenciais para a avaliação das metas glicêmicas. Quanto à escolha do tratamento, o perfil de segurança das várias classes de antidiabéticos, interações medicamentosas e tipo de terapia contra o câncer (e sua possível contribuição para a hiperglicemia/agravamento do DM) também devem ser considerados.
Os tratamentos oncológicos geralmente são associados a eventos adversos frequentes, especialmente envolvendo o trato gastrointestinal (por exemplo, náusea, vômito, diarreia), piorando significativamente a qualidade de vida dos pacientes. Por isso, deve-se ter atenção ao prescrever fármacos com potencial de eventos gastrointestinais, como metformina e GLP1-RAs. Além disso, embora a metformina seja uma das drogas mais prescritas para tratamento do DM2, deve-se lembrar de avaliar cuidadosamente a função renal e o risco de seu agravamento, para o qual os pacientes com câncer, por meio da exposição a medicamentos antineoplásicos nefrotóxicos e agentes de contraste intravenosos, são mais vulneráveis.
Por fim, deve-se observar que os iSGLT2, embora eficazes na redução do risco cardiovascular e no tratamento da insuficiência cardíaca, apresentam o risco de desidratação e infecções urogenitais que podem se tornar clinicamente significativas em um cenário de terapia ativa do câncer e subsequente imunossupressão. Seu uso deve, portanto, ser cuidadosamente avaliado.
Percebe-se, portanto, que durante o manejo do diabetes mellitus em pacientes oncológicos, algumas metas propostas pelas diretrizes gerais sobre diabetes mellitus precisarão ser colocadas em segundo plano, pelo menos temporariamente, enquanto questões relacionadas ao tratamento contra o câncer e à qualidade de vida do paciente serão a prioridade.
Referências:
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