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Terapia de reposição hormonal pode ajudar na ICFEP?
Escrito por
Jefferson Vieira
Publicado em
18/3/2020
A insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada (ICFEP) afeta aproximadamente 50% dos pacientes com IC, sendo a maioria deles idosos e mulheres. O REVIEW TOPIC OF THE WEEK do JACC dessa semana apresentou uma teoria interessante sugerindo que a redução do estrogênio durante a menopausa possa contribuir para a patogênese da ICFEP, destacando potenciais mecanismos fisiopatológicos que associam as duas condições.
Na IC, o coração se adapta de maneira diferente entre homens e mulheres. Em resposta ao estresse hemodinâmico, o coração das mulheres geralmente apresenta diâmetros ventriculares menores, melhores índices de desempenho contrátil e maior preservação dos parâmetros de ejeção em comparação ao coração dos homens.
O declínio na produção de estrogênio durante a menopausa está associado ao aumento no risco de diabetes, hipertensão, obesidade e disfunção renal, que são comorbidades consistentemente relacionadas com a ICFEP. Os mecanismos fisiopatológicos que ligam à queda do estradiol (E2) com disfunção diastólica envolvem o sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA), os peptídeos natriuréticos, a matriz extracelular, disfunção renal, estresse oxidativo e inflamação.
- Estudos epidemiológicos e experimentais indicam um aumento acentuado nos componentes do SRAA durante a transição menopáusica e acredita-se que a redução no E2 possa ser responsável por modular essas alterações. A hiperativação do SRAA contribui para a patogênese da ICFEP não somente por desenvolvimento de hipertensão, mas também por piora do relaxamento ventricular, hipertrofia cardíaca, fibrose e remodelamento.
- Os níveis de peptídeos natriuréticos são significativamente maiores em mulheres jovens quando comparados à mulheres mais velhas, com ou sem IC. Os peptídeos natriuréticos exercem efeito diurético, natriurético e vasodilatador, além de apresentarem propriedades antifibróticas, anti-hipertróficas e anti-inflamatórias no coração. Estudos recentes sugerem que níveis reduzidos de peptídeos natriuréticos associados a níveis reduzidos de E2 possam contribuir para a ICFEP.
- O declínio de E2 na menopausa também parece estar associado ao acúmulo de componentes da matriz extracelular, particularmente o colágeno, causando rigidez miocárdica e permitindo a progressão da glomerulosclerose.
- O E2 tem propriedades antioxidantes e mulheres na pós-menopausa apresentam maiores níveis de estresse oxidativo e disfunção endotelial. Esse processo de “envelhecimento vascular” é semelhante ao observado em diabéticos, e também contribui para a ICFEP.
- Finalmente, o E2 influencia processos inflamatórios através da modulação de fatores vasoativos e da proliferação de leucócitos e peptídeos pró- e anti-inflamatórios. Além disso, mulheres na pós-menopausa têm uma probabilidade 3 vezes maior de desenvolver obesidade e síndrome metabólica, sendo o tecido adiposo uma das principais fontes de sinalização inflamatória nas alterações metabólicas associadas à obesidade.
Mas afinal, a terapia de reposição hormonal tem algum papel no tratamento ou na prevenção da ICFEP?
Estudos clínicos e experimentais sugerem que a terapia de reposição hormonal (TRH) em mulheres na pós-menopausa (ou o tratamento com 17b-estradiol em ratas ooforectomizadas) possa atenuar ou impedir o desenvolvimento de hipertrofia ventricular. Na prática clínica, os riscos e benefícios da TRH variam de acordo com o tipo, dose, duração do uso, via de administração e timing do início da terapia.
Embora os mecanismos descritos no artigo pareçam sustentar a hipótese de uma associação entre a queda do estrogênio e o desenvolvimento de ICFEP, essa teoria nunca foi sistematicamente avaliada e, até o momento, nenhum ensaio clínico randomizado testou essa hipótese. Considerando que a ICFEP é mais prevalente em mulheres do que homens, essa parece ser uma boa proposta para estudos futuros.