Compartilhe
Temperaturas extremas e risco cardiovascular: existe relação?
Escrito por
Remo Holanda
Publicado em
15/2/2023
Além dos fatores de risco tradicionais que todos conhecemos (hipertensão, diabetes, tabagismo, etc), existem os chamados fatores de risco emergentes, ou seja, aqueles aos quais não prestávamos muita atenção mas que podem também contribuir de maneira importante com o risco de doença cardiovascular (CV). Um destes fatores são as alterações climáticas, como os extremos de temperatura (tanto muito frio como muito quente). Mas será que temperaturas extremas e risco de morte cardiovascular podem andar de mãos dadas?
Esta pergunta foi objeto de um interessante estudo publicado por Alahmad e cols. no periódico Circulation. Neste estudo, os autores analisaram dados de 567 cidades em 27 países (o Brasil contribuiu com 12 cidades!), observados ao longo de 40 anos de acompanhamento (de 1979 a 2019). Foram coletados dados de mensuração de temperatura diária nas cidades estudadas, além de taxas de mortalidade e mortalidade por causa específica dos registros populacionais. O estudo utilizou um desenho de série temporal (na análise das temperaturas) e também de caso-crossover, um tipo especial de caso-controle em que a unidade sob estudo (isto é, a cidade) é o controle dela mesma ao longo do tempo (Mais detalhes sobre tipos de estudo, não perca em: https://d3gjbiomfzjjxw.cloudfront.net/piramide-da-evidencia/).
Comparadas às faixas de temperatura consideradas normais para cada localidade, as temperatura mais frias, o seja, abaixo do percentil 1 para cada localidade, se associaram com um aumento de 30% na mortalidade CV (com impacto semelhante para morte por infarto e por AVC). Já as temperaturas muito quentes também se mostraram deletérias, com um aumento de cerca de 20% na mortalidade CV quando se comparou o percentil 99 com as temperaturas consideradas como referência do normal. Para cada 1000 mortes por doença CV, 2 podem ser atribuídas a temperaturas muito quentes e 9 a temperaturas muito frias.
Este foi um dos maiores estudos já feitos avaliando uma possível associação entre temperaturas extremas e risco cardiovascular. O estudo foi bastante representativo, incluindo indivíduos de todos os continentes (exceto Oceania e Antártida), com mais de 32 milhões de mortes por doença CV analisadas ao longo de 40 anos. Algumas limitações devem ser reconhecidas, entre elas a falácia ecológica, um potencial viés que surge em estudos desse tipo. Nesse caso, existe uma dissociação entre a unidade de análise (cidades) e a unidade de ocorrência do evento (indivíduo), de tal maneira que não é possível se saber se os indivíduos que faleceram foram de fatos os expostos àquele aumento de temperatura (Confira também: https://d3gjbiomfzjjxw.cloudfront.net/os-vieses-em-pesquisa/). Apesar disso, o estudo traz lições importantes, como reconhecer o papel de um potencial novo fator de risco emergente, além de alertar a comunidade científica e autoridades quanto aos potenciais perigos de mudanças climáticas. Com isso, é possível que observemos futuros estudos falando mais da relação entre temperaturas extremas e risco cardiovascular, e que , além de sugerir dieta e exercícios, devamos alertar também os nossos pacientes quanto à exposição ambiental.
REFERÊNCIAS
Alahmad B, Khraishah H, Royé D, Vicedo-Cabrera AM, Guo Y, Papatheodorou SI, Achilleos S, Acquaotta F, Armstrong B, Bell ML, Pan SC, de Sousa Zanotti Stagliorio Coelho M, Colistro V, Dang TN, Van Dung D, De' Donato FK, Entezari A, Guo YL, Hashizume M, Honda Y, Indermitte E, Íñiguez C, Jaakkola JJK, Kim H, Lavigne E, Lee W, Li S, Madureira J, Mayvaneh F, Orru H, Overcenco A, Ragettli MS, Ryti NRI, Saldiva PHN, Scovronick N, Seposo X, Sera F, Silva SP, Stafoggia M, Tobias A, Garshick E, Bernstein AS, Zanobetti A, Schwartz J, Gasparrini A, Koutrakis P. Associations Between Extreme Temperatures and Cardiovascular Cause-Specific Mortality: Results From 27 Countries. Circulation. 2023 Jan 3;147(1):35-46. https://www.ahajournals.org/doi/full/10.1161/CIRCULATIONAHA.122.061832?rfr_dat=cr_pub++0pubmed&url_ver=Z39.88-2003&rfr_id=ori%3Arid%3Acrossref.org