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Telemonitoramento na insuficiência cardíaca: chegou a hora de usar na prática?
Escrito por
Jefferson Vieira
Publicado em
2/7/2020
Durante a pandemia de COVID-19, o CFM regulamentou o uso de três modalidades de telemedicina no Brasil:
1- a teleorientação, em que os médicos podem orientar e encaminhar pacientes remotamente;
2- a teleinterconsulta, que é a discussão de um caso exclusivamente entre médicos, para auxílio diagnóstico ou terapêutico;
3- e o telemonitoramento, que possibilita a monitorização remota de pacientes que já estejam em acompanhamento.
Até o momento, o método de monitorização remota com evidências mais convincentes na IC é o CardioMEMS, um dispositivo implantado via percutânea na artéria pulmonar que transmite os valores pressóricos centrais para um servidor seguro. Ensaios clínicos de telemonitoramento não-invasivo em IC costumam ter resultados conflitantes, devido a diferenças nas populações estudadas, políticas de saúde de cada país e ferramentas de monitorização adotadas. No entanto, a maior parte das meta-análises e revisões sistemáticas relatam benefícios consistentes em termos de morbimortalidade.
Recentemente, um ensaio clínico multicêntrico francês, o OSICAT, investigou os efeitos de um programa de telemonitoramento não-invasivo na prevenção de mortes por todas as causas ou hospitalizações não planejadas em pacientes com IC. O estudo incluiu 937 pacientes com IC (aproximadamente 60% tinham FE ≤40%), hospitalizados por descompensação nos últimos 12 meses e que tivessem acesso à Internet; 482 pacientes foram randomizados para o grupo de telemonitoramento e 455 para um grupo de atendimento padrão. A idade média dos participantes era de 70 anos, mais de 80% deles se encontrava em NYHA 2-3, cerca de metade tinha doença arterial coronariana, um terço tinha fibrilação atrial e um terço tinha diabetes. O uso de betabloqueadores, iECA/BRA e antagonistas da aldosterona foi de aproximadamente 70%, 75% e 46%, respectivamente; 13% tinham um desfibrilador implantável. O telemonitoramento consistia em uma balança eletrônica para medir o peso corporal e um tablet conectado à Internet para responder a perguntas sobre sintomas. Esses dados eram transmitidos diariamente a um servidor seguro e analisados automaticamente por um sistema de alertas, com o objetivo de antecipar episódios de descompensação da IC. No caso de um alerta, enfermeiros de uma unidade central revisariam os dados transmitidos e determinariam se havia necessidade de contatar um médico, com uma ligação de follow-up após 48 horas.
Após 18 meses de seguimento, não houve diferença significativa no desfecho primário de morte por todas as causas ou hospitalizações por IC entre os grupos de telemonitoramento versus controle (HR 0,97 [IC 95% 0,77-1,23; P = 0,80]. No entanto, após ajuste para uma série de fatores de risco, o telemonitoramento foi associado à redução de 21% no desfecho secundário de hospitalização não planejada por IC; essa redução foi de 38% nos pacientes que se encontravam em isolamento social. Além disso, a análise de subgrupos sugeriu benefício significativo do telemonitoramento sobre o desfecho primário em pacientes com NYHA 3-4 e naqueles com pelo menos 70% de adesão ao protocolo.
- Vale sempre reforçar: resultados de desfecho secundário e análise de subgrupo, especialmente em estudos que não mostraram diferença no desfecho primário, são considerados “exploratórios ou geradores de hipóteses”.
O OSICAT não avaliou o impacto do telemonitoramento em regiões com diferentes sistemas de saúde e políticas de reembolso, nem caracterizou o papel de médicos generalistas ou especialistas no protocolo de atendimento. Assim como no SUS brasileiro, o sistema de saúde francês é universal e financiado, em boa parte, pelo Estado. A França também tem um sistema de referência e contra-referência, mas lá existe coparticipação e os pacientes têm a liberdade de escolher para onde desejam ser encaminhados. O estudo também não informou quantos pacientes efetivamente contataram um médico, qual recomendação receberam ou, mais importante, se seguiram a recomendação.
De qualquer forma, na opinião de especialistas em telemedicina, um sistema remoto de cuidados que seja barato, fácil de usar e centrado no paciente não precisa ser superior à formas tradicionais de atendimento; basta mostrar que não é inferior. Considerando o longo tempo de espera para consultas de retorno no SUS e a necessidade casa vez maior do agendamento de "encaixes", talvez os recursos de saúde pudessem ser melhor direcionados se as ferramentas de telemonitoramento fossem individualizadas e adaptadas para certos subgrupos de pacientes com IC. Além disso, o telemonitoramento é uma alternativa para manter o isolamento social e reduzir os riscos de infecções, sejam por um rinovírus sazonal ou pelo novo coronavírus.