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Survodutida: o papel do glucagon no tratamento da doença esteatótica
Escrito por
Luciano Albuquerque
Publicado em
19/6/2024
A Doença Hepática esteatótica já acomete 25% da população mundial, podendo chegar a números acima de 90% na população com obesidade. A associação com a disfunção metabólica (Metabolic dysfunction associated Steatotic Liver Disease –MASLD) e inflamação (Metabolic dysfunction associated steatohepatitis - MASH) aumenta o risco de evolução para fibrose, determinando maior morbidade e mortalidade. Diversas diretrizes recomendam a perda de peso como ponto central no tratamento, e agentes farmacológicos como os agonistas de GLP1 demonstraram melhora nos desfechos principalmente pelo seu efeito neste parâmetro, já que o fígado não apresenta receptores para GLP1.
Recentemente, o FDA aprovou o Resmetiron, um agonista seletivo do receptor de hormônio tireoidiano tipo b (THR-b), para o tratamento de pacientes com MASH e fibrose. Cabe destacar que no estudo MAESTRO-NASH, publicado no NEJM, a melhora foi independente da perda de peso, sugerindo uma ação direta do resmetiron na b oxidação de ácidos graxos.
Neste mesmo conceito, acompanhamos com interesse a publicação de estudos com os agonistas duplos GLP1-Glucagon no tratamento da obesidade, diabetes e da MASLD. Ao contrário do GLP1, o Glucagon tem ações diretas no metabolismo hepático, com aumento da Beta oxidação lipídica e redução da síntese lipídica hepática.
Comprovando esse benefício, temos a publicação dos resultados do survodutide, um agonista duplo GLP-1/Glucagon em pacientes com MASH e fibrose, recém publicado no NEJM. Trata-se de um estudo fase 2, envolvendo 293 pacientes com MASH e fibrose nos estágios F1 a F3, comprovados por biópsia, acompanhados por 48 semanas. O desfecho primário foi melhora histológica da MASH, sem piora da fibrose. Os desfechos secundários incluíram a redução em 30% do conteúdo hepático de gordura e uma redução de pelo menos 1 estágio na classificação de fibrose, sem piora no escore de inflamação.
Os benefícios foram confirmados. Entre os pacientes que utilizaram a survodutida houve melhora da MASH em até 62%, do conteúdo hepático de gordura em até 67% e de fibrose em até 36%. A medicação também levou a redução de até 13,8kg, além de melhora na glicemia e no perfil lipídico. Os eventos adversos mais frequentes incluíram náuseas (66% vs. 23%), diarreia (49% vs.23%) e vômitos (41% vs. 4%); eventos adversos graves ocorreram em 8% com survodutida e 7% com placebo, com taxa de descontinuação de 20% vs 3% do grupo placebo, a maioria durante a fase de escalonamento da dose.
O agonismo duplo pode ser mais eficaz no tratamento de MASH, pela combinação dos benefícios extra-hepáticos do GLP-1 (controle de glicose, redução de apetite e perda de peso) com efeitos hepáticos diretos (aumento do gasto energético, lipólise e mobilização de gordura hepática) associados ao glucagon. Outros agonistas do glucagon já foram testados, porém tiveram seus estudos interrompidos por elevação de enzimas hepáticas e da frequência cardíaca. Survodutide tem uma relação de agonismo glucagon: GLP1 de aproximadamente 1:8, o que parece ter alcançado os potenciais benefícios comum perfil de efeitos adversos toleráveis. Os estudos fase 3 são aguardados para confirmar (ou não) os achados apresentados.