Compartilhe
Série cardio-oncologia - avaliação da função ventricular
Escrito por
Eduardo Lapa
Publicado em
29/10/2015
Texto: Dr Eduardo Castro - especialista em Cardiologia pelo Incor-HCFMUSP
A lesão do miocárdio pode ocorrer como efeito adverso do tratamento antineoplásico, em especial de certos tipos de quimioterápicos. À medida que a eficácia dos tratamentos antineoplásicos tem melhorado, a ocorrência de eventos cardiovasculares significantes é cada vez mais comum.
Hoje vamos fazer uma breve discussão sobre métodos de avaliação ventricular para pacientes que estão fazendo ou irão iniciar esquema de quimioterapia.
Todos os pacientes, independente da idade ou de qual esquema irá ser realizado, deveriam fazer uma avaliação de função ventricular. Isto porque o próprio câncer tem sido implicado como causador de dano miocárdico1.
Alguns detalhes da história clínica são relevantes nestes casos. Entre os antecedentes tradicionais deve estar claro se o paciente já necessitou de alguma internação prolongada anteriormente (com múltiplos exames de radiação de tórax) e se houve necessidade de uso de hemoderivados (para pesquisa de hepite C e HIV – na Asia estaa são as principais causas de miocardite).
Ao solicitar exames de imagem o médico deve estar especialmente atento à necessidade a alguns pontos específicos. Para tal é crucial uma excelente comunicação entre o cardiologista e o oncologista2.
- Qual o potencial de cardiotoxicidade das medicações que serão administradas?
- Qual a necessidade de reavaliação?
A cardiotoxicidade relacionado à quimioterapia pode ocorrer de duas formas diferentes4:
Padrão de lesão miocárdica pelas drogas cardiotóxicas:
Tipo I
DOXORRUBICINA
Tipo II
TRAZTUZUMAB
Curso clínico e resposta às drogas antirremodelamento
Pode estabilizar, mas subjacente dano parece ser permanente e irreversível; recorrência em meses ou anos pode estar relacionada com o stress cardíaca sequencial
Alta probabilidade de recuperação (ou perto o estado cardíaco linha de base) em 2-4 meses após a interrupção (reversível)
Efeito da dose
DOSE DEPENDENTE
NÃO É DOSE DEPENDENTE
Reposta em caso de novo ciclo
Provavel disfunção progressiva e recorrência após a interrupção do tratamento, com prognóstico pior para os casos que desenvolvem disf progressiva.
A evidência crescente para a segurança relativa do novo ciclo (dados adicionais necessários)
Aspecto ultraestrutural
Vaculização dos cardiomiócitos; progride com desarranjo miofibrilar e em estágios mais avançados apoptose.
Não há anormalidades ultra-estruturais aparentes
Entre os exames que podemos usar para avaliar a função ventricular destacam-se:
- Ecocardiograma transtorácico com Doppler
- Ecocardiograma tridimensional
- Ecocardiograma com avaliação de Strain
- Ressonância de coração com pesquisa de realce tardio
- Cintilografia para avaliação de função ventricular (MUGA)
O ecocardiograma com Doppler transtorácico é o exame mais utilizado para se definir a função ventricular pré-quimioterapia. O fato de ser o mais comum não significa que o exame seja o mais apropriado. Entre os principais fatores que representam dificuldades na uniformidade do ECO TT são a variabilidade interobservador (cerca de 15%) e a dificuldade de se estabelecer imagens com boa janela para se ter uma definição apropriada para aferição.
Vantagens e desvantagens de avalição de deformação ventricular ECO TT6
ECO TT : METÓDO DE ESCOLHA - SIMPSON
VANTAGENS
Ampla disponibilidade
Não é necessário software especifico
Pode ser feito a beira leito
Menor custo
DESVANTAGENS
Forte dependência da qualidade das imagens ecocardiográficas 2D
Variabilidade interobservador elevada
Fornece informações tardias
Depende de janela adequada
Dependente de pré e pós carga
Vantagens e desvantagens de avalição de deformação ventricular
STRAIN6
VANTAGENS
Superioridade na predição de mortalidade por qualquer causa na população em geral em comparação com FEVE
Melhorou a estratificação de risco em pacientes com HF
Capacidade de reconhecer a disfunção LV precoce em pacientes submetidos a terapia potencialmente cardiotoxica e permite avaliar prognóstico.
Reprodutível quando realizado por operadores treinados
DESVANTAGENS
Forte dependência da qualidade das imagens ecocardiográficas 2D
Influenciado por condições de carga
Falta de longo prazo ensaios clínicos randomizados que avaliaram a capacidade de GLS para prever diminuições persistentes na FEVE ou sintomática HF
A falta de dados sobre a reprodutibilidade da GLS em centros não acadêmicos ou hospitais comunitários
Necessidade de software específico
Vantagens e desvantagens de avalição de deformação ventricular
ECO 3D6
VANTAGENS
Melhor acurácia na detecção de toxidade precoce
Melhor padrão de reprodutibilidade quando realizado por operadores treinados
Melhor estimativa de prognóstico.
Indicação ampla ( tanto na lesão miocárdica por drogas como por radioterapia)
DESVANTAGENS
Custo muito elevado
Baixa disponibilidade
Necessidade de treinamento especifico para os operadores
Necessidade de software específico
Vantagens e desvantagens de avalição de deformação ventricular
Ressonância de coração com pesquisa de realce tardio6
VANTAGENS
Padrão ouro na avaliação da função ventricular
Excelente padrão de reprodutibilidade – inclusive com a facilidade de reavaliação por outros profissionais com imagens gravadas em DVD
Capacidade de avaliar percentual de fibrose e estimar prognostico
Indicação ampla ( tanto na lesão miocárdica por drogas como por radioterapia)
Consegue fornecer imagens e avaliação do pericárdio e acometimento valvar
DESVANTAGENS
Custo muito elevado
Baixa disponibilidade
Necessidade de treinamento especifico para os operadores
Necessidade de software específico
A definição de cardiotoxicidade pelo ecocardiograma bidimensional varia bastante a depender da referência consultada. A maneira mais prática de se definir seria:
- Queda de 10% da fração de ejeção basal para um valor menor que 53%;(este exame pode ser confirmado por outro método, principalmente quando a janela não for boa);
- Disfunção reversível quando houver recuperação para uma valor onde a queda final represente menos de 5% do valor basal
- Disfunção irreversível: recuperação < 10% da linha de base permanecendo a disfunção > 5% da lonha de base.
Como deve ser feito o segiomento dos pacientes:
DOSE CUMULATIVA DE ANTRACICLINA (mg/m2)
Antes do TT
Durante o TT
Ao final do tratamento
Primeiro ano após o tt
2o ao 5o após o tratamento
> 5 a após o tratamento
< 200
SIM
Quando clinicamente indicado
SIM
Controle com 1 ano
Controle com 2a e 5a
Apenas quando clinicamente indicado
200 - 300
SIM
Após 200 mg/m2
SIM
6 meses e 1 ano
Controle com 2a, , 3a e 5a
Apenas quando clinicamente indicado
300 – 400
SIM
Após 200, 300,
350 mg/m2
SIM
3 meses, 6 meses e 1 ano
Anual
Controle a cada 2 anos
> 400
SIM
Após 200, 300,
350 e 400 mg/m2
SIM
Anual
Controle anual
Monitoramento cardíaco inclui: consulta cardiológica, avaliação de função ventricular e dosagens de troponina e ProBNP (apenas após cada ciclo quimioterápico). ** As doses cumulativas são referentes a dozorrubicina; para o Mitoxantrone, multiplica-se a dose por 0,2, para epirrubicina e as preparações lipossomais multiplica-se por 1,5
Referencias:
- Pavo N, Raderer M, Hülsmann M, et al. Cardiovascular biomarkers in patients with cancer and their association with allcause mortality. Heart 2015; DOI:10.1136/heartjnl2015307848. Article
- Todaro MC, Oreto L, Qamar R, Paterick TE, Carerj S, Khandheria BK. Cardioncology: state of the heart. Int J Cardiol. 2013;168:680-7. ?
- Bowles EJ, Wellman R, Feigelson HS, Onitilo AA, Freedman AN, Delate T, Allen LA, Nekhlyudov L, Goddard KA, Davis RL, Habel LA, Yood MU, McCarty C, Magid DJ, Wagner EH;Pharmacovigilance Study Team. Risk of heart failure in breast cancer patients after anthracycline and trastuzumab treatment: a retrospective cohort study. J Nat l Cancer Inst. 2012;104:1293-305. ?
- Brower V. Cardiotoxicity debated for anthracyclines and trastuzumab in breast cancer. J Natl Cancer Inst. 2013;105:835-6. ?
- Telli ML, Witteles RM. Trastuzumab-related cardiac dysfunction. J Nat l Compr Canc Netw. 2011;9:243-9. ?
- Lancellotti P, Nkomo VT, Badano LP, Bergler-Klein J, Bogaert J, Davin L et al: Expert consensus for multi-modality imaging evaluation of cardiovascular complications of radiotherapy in adults: a report from the European Association of Cardiovascular Imaging and the American Society of Echocardiography. Eur Heart J Cardiovasc Imaging 2013; 14: 721-740. ?