Sangramento uterino anormal - Tratamento

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Quadros de sangramento uterino anormal podem ser agudos ou crônicos. Nos casos agudos, há a necessidade do reequilíbrio hemodinâmico da paciente avaliando anemia, hipovolemia, hipotensão, taquicardia e sinais de choque antes mesmo de determinar a etiologia.

Nos casos agudos, é sugerido o uso de estrogênio conjugado via endovenosa 25 mg a cada 4 ou 6 horas nas primeiras 24 horas com posterior tratamento de estrogênio e progesterona. O uso de doses altas de estrogênio promove um rápido crescimento do endométrio associado à contração das uterinas em conjunto com agregação plaquetária e coagulação. Devido à dose alta, sugere a associação de antiemético por causa do efeito colateral de náuseas e vômitos.

Outra possibilidade, nas mulheres com estabilidade hemodinâmica, é o uso de contraceptivos orais combinados na dose de 35-30 mcg de estrogênio de 8 em 8 horas por 07 dias.

Os tratamentos com estrogênio devem ser evitados em pacientes com chance de tromboembolismo. Nessas hipóteses, e na contraindicação do estrogênio, pode-se utilizar múltiplas doses de progestagênios como medroxiprogesterona 20 mg de 8 em 8 horas, noretisterona 5 mg da mesma posologia ou outro progestágeno. Realizar o uso por 07 dias e, após, 1 dose por dia por, no mínimo, 21 dias. Outra opção hormonal são os análogos de GnRH ou inibidor da aromatase ou antagonista do GnRH.

Essas medidas hormonais citadas, em que se faz uma dose de ataque com altas doses seguidas de manutenção por, mínimo de 1 semana ou 1 ciclo menstrual, podem ser utilizadas até a etiologia ser esclarecida.

Outra alternativa hormonal são os análogos de GnRH ou inibidor da aromatase ou antagonista do GnRH.

Caso opte por medidas não hormonais, há a opção de ácido tranexâmico 10 mg/kg de peso EV 3 vezes ao dia ou de 20 a 25 mg/kg via oral a cada 8 horas. Essa medida pode reduzir em até 50% o sangramento. Avaliar também as pacientes com alto risco de trombose.

As medidas não farmacológicas em casos de emergência podem ser necessárias como o tamponamento uterino com cateter de Foley e enchimento de balonete de 10 a 30 mL de água destilada. Pode também realizar a curetagem uterina, embolização das artérias uterinas ou histerectomia em casos refratários.

Em sangramentos uterinos crônicos, há mais de 6 meses, deve ser realizada investigação da etiologia (PALM-COEIN) com tratamento direcionado. O objetivo do procedimento é a correção da etiologia, melhora da qualidade de vida, prevenir episódios agudos, tratar ou prevenir anemia, prevenção de neoplasia endometrial.

Para direcionar o procedimento focado no PALM-COEIN, a ultrassonografia pélvica possui uma sensibilidade de 96%, mas com baixa especificidade (14%). Há a sono-histerossonografia que é um exame com infusão salina que possui ótima acurácia para avaliação de patologias intracavitárias como pólipos, mioma, istmocele. Na prática, caso a ecografia não seja elucidativa, indica-se uma histeroscopia para avaliação da cavidade, pois a sono-histerossonografia não é bem difundida no nosso meio. A biópsia de endométrio é indicada nas pacientes pós-menopáusicas, nas acima de 45 anos, nas com fatores de risco para neoplasia ou SUA refratária ao tratamento.

Caso haja discrasia sanguínea ou uso de anticoagulante, otimizar a dose e realizar tratamento específico.

Se suspeita de endometrite, testar para gonococo, clamídia e tricomoníase e tratar as doenças de modo específico.

Nas causas hormonais, deve ser avaliada a prolactina, tireoide, gonadotrofinas e androgênios, SOP e tratar especificamente.

As causas estruturais (PALM) possuem tratamento específico. Nos pólipos, pode ser realizada polipectomia. Nos miomas, o procedimento clínico com técnica farmacológica e, na ausência de resposta, a miomectomia ou histerectomia a depender do desejo da paciente e na paridade.

Nos miomas, principalmente os submucosos, a histeroscopia é uma alternativa, assim como associada à laparoscopia em miomas volumosos. Existe a possibilidade de utilizar análogos de GnRh pré-operatórios para otimizar o volume dos leiomiomas. Há a opção da embolização das artérias uterinas, com cautela caso a mulher deseje engravidar, pois não há estudo de qualidade suficiente que garanta a fertilidade após o procedimento radio-intervencionista.

Na adenomiose, pode ser utilizado medidas farmacológicas como anticoncepcionais orais combinados, progestágeno, dispositivos intrauterinos liberadores de levonorgestrel e também a embolização das artérias uterinas. O tratamento dessa patologia, definitivamente, é a histerectomia.

Nas causas não estruturais (COEIN) pode-se corrigir a causa de alteração não estrutural e também focar no controle do sangramento, independente da etiologia. Para isso, há a opção do SIU-LNG que é a medida mais efetiva reduzindo de 75-95% de perda sanguínea via atrofia endometrial. Possui baixa taxa de eventos adversos e alta taxa de satisfação com a vantagem de preservação da fertilidade. Esse dispositivo resulta em baixos níveis de progesterona sistêmica sem aumentar o risco de trombose em pacientes com risco moderado a alto.

Pode-se também utilizar os progestagênios isolados que promovem a atrofia endometrial associada à ação anti-inflamatória. Utilizados continuamente, possuem redução de até 87% do sangramento e amenorreia em até 15% das usuárias. As opções são a medroxiprogesterona, noretisterona, noretindrona, megestrol, progesterona micronizada (contínua ou dia 5 ao dia 26 do ciclo). A posologia de forma cíclica é controversa e não possui tanta eficácia. Simula a fase lútea em enfermas anovuladoras e pode ser utilizada didrogesterona 10 mg/d, medroxiprogesterona 10 mg/d e progesterona micronizada via vaginal 100 mg/d do dia 17 ao dia 27 do ciclo menstrual. A medroxiprogesterona de depósito também é uma opção com 1⁄4 das usuárias entrando em amenorreia, mas não é indicado em pacientes que desejem engravidar nos próximos dois anos devido à sua ação prolongada. O implante de etonogestrel não possui estudos suficientes que comprovem seu uso em SUA, mesmo que 20% das usuárias entrem em amenorreia.

O uso de progesterona isolada corre o risco de levar a sangramento irregular, principalmente no início do seu uso, podendo ser o motivo da descontinuidade do método.

Os contraceptivos orais combinados, por sua vez, podem reduzir o sangramento em 35 a 69% sendo eficazes na maioria dos casos, além de estarem associados à redução de dismenorreia. O uso contínuo ou com a menor pausa possível é mais eficaz nessas possibilidades. Sempre avaliar os critérios de elegibilidade nessas hipóteses. Dentre as combinações de anticoncepcionais orais, a opção de valerato de estradiol associado ao dienogeste parece ter maior efeito no tratamento do sangramento. Além da alternativa oral, há também a possibilidade do uso de combinados transdérmicos e anel vaginal, mas sem estudos de tanta qualidade quanto aos orais.

A possibilidade terapêutica não hormonal consiste no uso de antifibrinolítico (ácido tranexâmico) por 3 a 5 dias ao apresentar sangramento. Opção para mulheres que desejam gestar, mas contraindicada nas que possuem risco de trombose. Pode ser associado a anti-inflamatórios não esteroides como ácido mefenâmico, naproxeno, ibuprofeno, enquanto houver sangramento. Evitar essa medicação em pacientes com coagulopatias.

A vantagem do uso de anti-inflamatório inclui: baixo risco de efeito colateral, quando dose e tempo correto, diminuição da dismenorreia e baixo custo.

Caso falhe as medidas farmacológicas, há as opções cirúrgicas como: ablação endometrial em pacientes sem lesão estrutural. Faz-se, via laser, balão térmico, vaporização, crioablação, radiofrequência, micro-ondas, a destruição da camada basal do endométrio. Não indicada em pacientes que desejem gestar. Efetiva em até 50% dos casos no primeiro ano e em úteros com histerometria menor de 10 cm.

A histerectomia é tratamento de exceção, sendo reservada apenas para casos refratários ou desejo da paciente.

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