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Uso de cafeína durante a gestação: como realizar uma orientação baseada em evidências científicas?

Escrito por
Marina Apostólico
Publicado em
24/4/2025

A cafeína é uma das substâncias psicoativas mais consumidas globalmente, presente em bebidas como café, chás, refrigerantes, energéticos, além de chocolates e alguns medicamentos. Seu uso durante a gestação tem sido tema de crescente atenção, dado o potencial impacto sobre o desenvolvimento fetal e desfechos obstétricos.
Metabolismo materno-fetal da cafeína
Durante a gravidez, a meia-vida da cafeína aumenta progressivamente, especialmente no terceiro trimestre, devido à redução da atividade da enzima CYP1A2 hepática. A cafeína atravessa livremente a placenta e o feto tem capacidade limitada de metabolizá-la, o que pode resultar em exposição prolongada.
Potenciais riscos associados
Estudos observacionais sugerem que o consumo elevado de cafeína (>300 mg/dia) pode estar associado a:
- Abortamento espontâneo
- Restrição de crescimento intrauterino (RCIU)
- Parto prematuro
- Redução do peso ao nascer
- Desfechos neurocomportamentais em longo prazo (ainda sob investigação)
Contudo, esses estudos apresentam limitações metodológicas relevantes, incluindo vieses e outros fatores de risco não controlados (como tabagismo e dieta), além da dificuldade na quantificação precisa da ingestão de cafeína. Assim, a relação causal permanece incerta.
Consumo moderado: ainda seguro?
Embora existam controvérsias sobre o consumo de cafeína durante a gestação, a maioria das diretrizes internacionais recomenda a limitação do consumo diário entre 200 - 300 mg, considerando esse limite como seguro para a maioria das gestantes. Abaixo, resumimos as principais recomendações:
Sociedade/Instituição
Ano
Recomendação
OMS (2016)
Reduzir se >300 mg/dia para minimizar risco de aborto e baixo peso.
FIGO (2015)
Limitar a 200 mg/dia. Acima disso, possível risco de RCIU e aborto.
ACOG (2020)
Consumo <200 mg/dia não associado claramente a aborto ou parto prematuro.
RCOG (2022)
Mulheres grávidas devem limitar a 200 mg/dia.
NHS UK (2020)
Fornece diretrizes específicas para teor de cafeína por alimento.
Saúde do Canadá (2020)
Até 300 mg/dia para gestantes ou lactantes.
Teor de cafeína em alimentos e bebidas
A concentração de cafeína varia amplamente conforme a origem e o preparo. Alguns exemplos práticos:
- Café coado (235 mL): 102 a 200 mg
- Café instantâneo: 27 a 173 mg
- Chá preto (1 sachê): 55 a 60 mg
- Chá verde (1 sachê): 35 a 58 mg
- Coca-Cola (355 mL): 43 mg
- Energético Red Bull (250 mL): 80 mg
- Chocolate ao leite (50g): <10 mg
- Chocolate amargo (50g): até 25 mg
- Medicamentos como Neosaldina®: 30 mg por comprimido
Considerações clínicas
- A orientação deve ser individualizada, respeitando o contexto clínico e os hábitos da gestante.
- Evitar alarmismo é fundamental. Estratégias realistas de redução do consumo costumam ser mais eficazes do que restrições rígidas.
- A educação alimentar sobre os produtos com cafeína escondida (como medicamentos e chás industrializados) deve ser enfatizada.
Conclusão
Até o momento, não há evidência robusta para uma proibição total da cafeína durante a gestação. Contudo, com base na literatura disponível, o consumo moderado (≤200/300 mg/dia) é considerado seguro para a maioria das gestantes. O papel do profissional de saúde é oferecer informações baseadas em evidências, com equilíbrio e empatia, respeitando as preferências da paciente e promovendo escolhas conscientes.
Referências:
American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG). Committee Opinion No. 462: Moderate caffeine consumption during pregnancy. Obstet Gynecol. 2010;116(2 Pt 1):467-468.
Organização Mundial da Saúde (OMS). Recomendações da OMS sobre cuidados pré-natais para uma experiência positiva na gravidez. 2016.
Organização Mundial da Saúde. Restrição da ingestão de cafeína durante a gravidez. e-Library of Evidence for Nutrition Actions (eLENA). 2023.
Practice Committee of American Society for Reproductive Medicine in collaboration with Society for Reproductive Endocrinology and Infertility. Optimizing natural fertility: a committee opinion. Fertil Steril. 2013;100(3):631-637. doi: 10.1016/j.fertnstert.2013.07.011.
Public Health Agency of Canada. Caffeine and pregnancy. Government of Canada, January 2020.