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Sangramento irregular com Larcs
Escrito por
Jader Burtet
Publicado em
17/8/2023
Considera-se LARC um método anticoncepcional que possua duração maior que 3 anos. No Brasil, há opção de dispositivos intrauterinos e implantes de etonogestrel. Há a opção de dispositivo intrauterino sem ou com hormônio e, nesse caso, o levonorgestrel é o progestágeno de escolha. O uso de progestágeno, no entanto, pode ocasionar sangramento irregular, ocasionando o desejo de descontinuar o método.
Sendo assim, a orientação dessas possibilidades, de que a paciente pode ter padrão favorável de sangramento ou padrão desfavorável, deverá ser realizada previamente à inserção. O aconselhamento sobre as alterações do padrão do ciclo, melhora as expectativas da paciente, principalmente na tranquilização de o sangramento não diminuir a eficácia do método. Nos primeiros 90 dias da inserção do método, a usuária deve ser informada que pode haver amenorreia, sangramento infrequente — que é considerado quando há, no máximo, 2 episódios de sangramento nesse período —, sangramento normal — considerado quando há entre 3 e 5 episódios — e sangramento frequente — quando há mais de 6 episódios nesse período. Além disso, em algumas pacientes, há a possibilidade de haver sangramento prolongado, ou seja, sangramento por mais de 14 dias.
O mecanismo de ação do dispositivo intrauterino (DIU) não hormonal se dá por meio do efeito gametotóxico que altera, quimicamente, espermatozoide e óvulo antes da fecundação. Esse efeito é causado pelo cobre, que também pode alterar de forma bioquímica do endométrio, estimulando a prostaglandina e também a ação inflamatória citotóxica, que tem efeito espermicida, causado. Apesar de seguro, o método pode ocasionar aumento do fluxo menstrual, prolongamento do ciclo e dismenorreia. A irregularidade menstrual é a queixa mais comum e é, frequentemente, percebida nos primeiros 90 dias. Para diminuir esse efeito, no mercado brasileiro, há a opção de DIU com prata e cobre. A prata, nesse caso, diminui a liberação do cobre na cavidade endometrial, possuindo, teoricamente, menor efeito colateral, ocasionado pelo cobre. No entanto, sua durabilidade é menor.
Nos DIUs hormonais, devido à ação do progestágeno — seja ele na dosagem de 52 mg ou na dosagem de 19,5 mg —, há a tendência de redução do sangramento. Em algumas mulheres, no entanto, ocorrem sangramentos desfavoráveis, classificados quando há episódios de sangramento frequente e prolongado, ocasionando o aumento das taxas de abandono do método. Nos primeiros 6 meses, no entanto, a chance de o sangramento ser favorável aumenta, e há uma taxa considerável de amenorreia após esse período, podendo chegar a 50%.
No implante com etonogestrel, há a liberação de 68 mg desse progestágeno, que é metabólito ativo do desogestrel, e, diferentemente dos demais apresentados aqui, inibe a ovulação. Nesse caso, há imprevisibilidade do padrão de sangramento, embora seja pouco comum o padrão desfavorável. Quando há sangramento regular, o volume é extremamente reduzido, quando comparado ao fluxo menstrual normal; sendo que, a maioria das usuárias, terá menor frequência e intensidade de sangramento.
Em vista disso, indica-se respeito à autonomia da paciente diante das explicações médicas expostas, chamada de decisão compartilhada do método. Ante a queixa de irregularidade menstrual com o uso de LARCs, deve-se investigar a história clínica, avaliar IST, realizar exame citopatológico, excluir gestação e patologias sistêmicas que possam alterar o ciclo. Além disso, avaliar o padrão de sangramento previamente à inserção do método proposto, verificar sintomas que sugiram possibilidade de dor pélvica e desordens psicossomáticas.
Nos LARCs que utilizam apenas progestágenos, a queixa de sangramento irregular é maior, se comparado a outros métodos.
Ao avaliar a paciente, o exame físico é imprescindível, bem como a avaliação do estado geral. É indicada avaliação minuciosa de abdome, pelve — principalmente em caso de sangramento persistente (após 90 dias) –, caso haja mudança do padrão que já estava se apresentando ou caso surja novos sintomas como sinusorragia ou dispareunia. Avaliar a necessidade de exames complementares, como ecografia pélvica e histeroscopia.
Em pacientes usuárias de DIU não hormonal, orientá-las previamente à inserção pode ser de suma importância para a aceitação do uso do método. Avaliar, a cada caso, se o sangramento se deve ao dispositivo ou a outras etiologias como pólipo, adenomiose, miomatose, malignidade, coagulopatias, disfunção ovulatória, outras não classificadas, alterações endometriais. Excluir sempre a gestação e IST, além de ver o posicionamento do DIU.
Para essas pacientes, recomenda-se antifibrinolíticos e AINE, como diclofenaco, ácido mefenâmico e indometacina, pois o cobre intensifica a resposta inflamatória, aumentando prostaglandina no endométrio. Essas medicações são eficazes para sangramento aumentado em fluxo e duração, mas sem muita ação em escapes. Ao utilizar essas medicações, utilizar a menor dosagem por menor tempo, levando em conta os paraefeitos gastrintestinais, renais e cardiovasculares. Há outras opções estudadas na profilaxia do sangramento que incluem ibuprofeno e naproxeno.
Já o uso dos antifibrinolíticos se dá devido ao auxílio na formação do trombo, pois são análogos à lisina, ligando-se ao plasminogênio e o inibindo. Dessa forma, ao inibir o plasminogênio ocorre um bloqueio da fibrinólise; sendo mais eficaz que os AINE em sangramento ocasionado por DIU. Nesse caso, ao utilizar essa medicação, há uma redução de até 50% no volume da menstruação, podendo utilizar de 500 a 1000 mg, 2x/d por 5 dias na profilaxia e 1500 mg, 3x/d para tratamento. Não utilizar essa medicação em pacientes com hipersensibilidade à droga, CIVD, oclusão arterial, doença tromboembólica ativa ou risco de trombose.
Nas usuárias de DIU hormonal, orientá-las sobre o padrão de sangramento previamente à inserção e escolha do método, pois o sangramento tende a diminuir após 6 meses de uso. Avaliar, nesses casos, as mesmas causas mencionadas acima e o posicionamento do dispositivo. Nessas pacientes, há pouca evidência dos AINE, sendo o naproxeno mais efetivo em pacientes no climatério, utilizado imediatamente após a inserção, como profilático. Utiliza-se 500 mg a cada 12 horas por 5 dias e a cada 4 semanas por 12 semanas. Outra opção é o uso de estradiol via oral, devido à atrofia intensa induzida pelo levonorgestrel. Utiliza-se 2 mg/d durante 6 semanas, com início após 6 meses da inserção. Apesar da evidência, há indicação de ibuprofeno 800 mg a cada 8 horas que pode ser continuado por 1 a 3 ciclos ou diclofenaco 50 mg 3x/d por 5 dias também.
Caso não haja melhora do quadro, pode ser utilizado contraceptivo oral combinado por 1 a 3 ciclos ou ácido tranexâmico 1300 mg 3x/d por até 5 dias e, caso haja melhora, interromper previamente o uso.
Nessas usuárias, o ácido mefenâmico, estrogênio e ulipristal podem não apresentar melhora ou mesmo provocar aumento do sangramento.
Nas pacientes usuárias de implante, há uma possibilidade de 78% de possuir sangramento favorável. Nas 22% que apresentam sangramento desfavorável pode ser utilizado mifepristona associado à doxiciclina, ácido mefenâmico, contraceptivo oral combinado, tamoxifeno e ulipristal. O ácido mefenâmico possui vantagem no sangramento atual, mas não previne o próximo sangramento. Os contraceptivos orais também possuem efeito em parar o sangramento atual e melhoram o padrão do sangramento posteriormente, com taxas de recorrência importante, embora em menor quantidade. Nas pacientes que possuem contraindicação ao estrógeno da pílula, podem ser utilizados contraceptivos apenas de progestageno, com possível resposta ao sangramento.
Independentemente da terapêutica utilizada, aconselha-se o uso de terapias consecutivas e a evitação de prescrição de várias terapias associadas. Além disso, não se recomenda o uso de medicações profiláticas de forma rotineira.
REFERÊNCIAS:
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