Sabe como lidar com Insuficiência Cardíaca na Gestação?

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E se a minha paciente com insuficiência cardíaca diagnosticada ficar grávida? Ou ainda, e se a paciente abrir um quadro de insuficiência cardíaca durante a gestação? Essas são situações desafiadoras para as quais o artigo de revisão publicado em setembro de 2023 no JACC Heart Failure lança luz importante.

O primeiro ponto é a alta mortalidade da doença nos EUA, mais de um terço das mortes maternas ocorrem em pacientes cardiopatas (primeira causa de morte materna indireta) e dentre as cardiopatas a mortalidade nas portadoras de insuficiência cardíaca (IC) é 4 vezes maior que nas outras doenças cardiovasculares.

Outro ponto importante é a necessidade de aconselhamento reprodutivo, estratificação de risco e a preparação das pacientes antes da gestação para redução do risco inerente ou até contraindicar a gestação.

DICA: para pacientes que estão compensadas da IC com drogas potencialmente teratogênicas fazer um teste de esforço (Ecocardio com esforço ou ergoespirometria) após a suspensão temporária destas medicações pode predizer a evolução da gestação.

E por fim a cardio-obstetrícia, essa multidisciplinaridade é a forma ideal de abordagem numa situação de intersecção de duas especialidades tão diferentes para proteção da mãe e do feto.

Vamos entrar um pouco mais a fundo.

Predição de risco:

Serão considerados graves os pacientes que antes da gestação tem alguma das seguintes situações clínicas:

  • Hipertensão arterial pulmonar
  • Disfunção ventricular importante (FEVE < 30% / NYHA III – IV)
  • Passado de miocardiopatia periparto (MCPP) com disfunção ventricular residual
  • Dispositivo de assistência ventricular esquerda
  • Transplante cardíaco há menos de 1 ano, enxerto com função ruim ou vasculopatia coronária do enxerto severa.

Os preditores de risco recomendados são o Cardiac Disease in Pregnancy II risk score (CARPREG II) que atribui pontuação a situações clínicas para estimar o risco e o preditor da Organização Mundial de Saúde modificado (mWHO) que é o mais utilizado e recomendado por ter maior sensibilidade para estimar o risco na gestação. No mWHO a classe III tem aumento significativo de risco e a IV é contraindicação a gestação.

Contracepção:

As pacientes que não desejam engravidar ou não devem por recomendação médica precisam ser protegidas de gestações acidentais com anticoncepção adequada, seguem alguns pontos importantes:

  • Escolher o método considerando o mWHO e a necessidade do uso de medicações potencialmente teratogênicas.
  • Avaliar as contraindicações relativas do método escolhido.
  • Escolher o método eficaz e que reduza risco de eventos adversos.
  • Considerar a preferência da paciente.

Os dispositivos liberadores de progestógeno (DIU ou implante subdérmico) são as opções preferidas para mulheres com cardiopatia de alto risco de acordo com o Centros de Controle de Doenças e Prevenção e o Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas. Enquanto anticoncepcionais orais com hormônios combinados (progesterona + estrógenos) podem aumentar a pressão arterial, o risco de trombose e de retenção hídrica, devendo ser evitados em portadoras de miocardiopatias graves.

Dispositivos eletrônicos:

Pacientes portadoras de cardiomiopatias com dispositivos como marcapassos, ressincronizadores e CDIs podem engravidar, as evidências são limitadas, mas o risco durante a gestação parece estar relacionado com a cardiopatia de base e não com o dispositivo eletrônico. Em alguns casos as gestantes podem necessitar do implante destes dispositivos durante o curso da gestação, e deve-se pesar o risco da fluoroscopia versos a necessidade do dispositivo.

Chama atenção as pacientes com miocardiopatia periparto (MCPP) que abrem uma IC de forma aguda e grave com propensão às arritmias ventriculares, nestas pacientes há um dilema em relação a profilaxia primária com CDI por conta da possibilidade de recuperação da função ventricular com o tratamento e o com o tempo. A profilaxia secundária deve seguir os mesmos critérios de não gestantes, existe nesses casos a possibilidade de cardiodesfibriladores externos vestíveis (wearable cardioverter-defibrillators – WCDs) para uso temporário.

Dispositivos de assistência ventricular esquerda:

A gravidez é contraindicada para mulheres em uso dispositivos de assistência ventricular esquerda dadas as alterações hemodinâmicas da gravidez, a teratogenicidade dos medicamentos para IC e as complicações associadas à anticoagulação necessária. Entretanto, casos de sucesso têm sido relatados na literatura, nestas gestações o ajuste de velocidade da bomba do dispositivo deve acompanhar as mudanças das demandas hemodinâmicas durante os trimestres e puerpério, e um cuidado especial com a anticoagulação para evitar trombos nas cânulas é fundamental.

Gestação após transplante cardíaco:

A gestação após transplante cardíaco é permitida em casos bem selecionados e deve ser sempre evitada no 1º após o transplante cardíaco.

Contraindicações:

  • Disfunção do enxerto.
  • Má-adesão ao tratamento
  • Presença de anticorpos específicos do doador
  • Vasculopatia do enxerto de grau significativo
  • HAS mal controlada
  • Diabetes Mellitus
  • Doença renal crônica
  • Infecção ativa do receptor
DICA: Os resultados de transplantes em pacientes com IC que tiveram MCPP são piores quando comparados às pacientes de outras etiologias.

Para engravidar a paciente transplantada deve ajustar a imunossupressão para minimizar os riscos de teratogenicidade e abortamento.

Com relação as drogas imunossupressoras temos os corticosteroides, os inibidores da Calcineurina (ciclosporina e tacrolimus) e azatioprina que são liberados. Já para os inibidores de mTOR (everolimus e sirulimus) não há dados de segurança, e para os produtos do Micofenolato (micofenolato de mofetila, ácido micofenólico) há contraindicação ao uso por teratogenicidade e devem ser suspensos preferencialmente 6 semanas antes da concepção.

Os dados do registro internacional de gestantes transplantadas mostram que 46% das gestações em pacientes transplantadas são não planejadas. Há um aumento da incidência de pré-eclâmpsia (23%) e hipertensão gestacional (46%) bem acima da população geral, também há uma taxa de infecção de 14% e de rejeição de 9%. Em relação aos fetos, a taxa de nascidos vivos foi de 69% das gestações e com 37% de fetos com baixo peso ao nascer.

“Quarto trimestre”

Pacientes após o parto necessitam de seguimento mais prolongado que somente o tempo de 42 dias do puerpério, nesta visão surge os três primeiros meses após o parto como um tempo ideal para o seguimento destas pacientes com insuficiência cardíaca.

Adequações no tratamento medicamentosos com reintrodução de drogas não permitidas durante a gestação, interação destas drogas com o aleitamento, orientação quanto a contracepção, além do manejo clínico devem fazer parte desse período de grande morbimortalidade.

Referência

Cardio-Obstetrics and Heart Failure: JACC: Heart Failure State-of-the-Art Review. JACC Heart Fail 2023;11:1165-1180.