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Os escores de risco poligênico ajudam na determinação do risco cardiovascular?
Escrito por
Fernanda Andrade
Publicado em
26/5/2023
A avaliação do risco cardiovascular desempenha um papel fundamental na prevenção e no manejo de doenças cardíacas. Identificar fatores de risco tradicionais, como pressão arterial elevada, colesterol alto e tabagismo, tem sido uma prática comum. No entanto, o artigo "Cardiovascular Disease Risk Assessment Using Traditional Risk Factors and Polygenic Risk Scores in the Million Veteran Program” exploraram uma nova abordagem para aprimorar a precisão dessas avaliações, este estudo liderado pelo Dr. Jason L. Vassy e sua equipe investigou o uso de pontuações de risco poligênico para melhorar a identificação de indivíduos com alto risco cardiovascular.
Antes de continuar, você sabe o que quer dizer risco monogênico e poligênico?
O risco monogênico refere-se a variações genéticas em um único gene que estão associadas a um risco aumentado ou diminuído de desenvolver uma doença específica, por exemplo, a cardiomiopatia hipertrófica que é causada por mutações em um único gene e é transmitida de forma Mendeliana (autossômico dominante). A identificação de um marcador de risco monogênico em um paciente com histórico familiar de doença cardíaca pode ser útil para o diagnóstico precoce, aconselhamento genético e o monitoramento de parentes próximos em risco.
Por outro lado, o risco poligênico envolve a interação de múltiplos genes e fatores ambientais no desenvolvimento de uma doença complexa; na cardiologia, muitas condições cardíacas comuns, como doença arterial coronariana, hipertensão arterial e doença cardíaca congestiva, têm uma base poligênica. Várias variações genéticas em diferentes genes, juntamente com fatores ambientais, contribuem de forma cumulativa para o risco de desenvolver essas condições. No entanto, nenhuma mutação individual tem um efeito tão forte como nas doenças monogênicas. Portanto, a identificação de marcadores de risco poligênicos em pacientes pode ajudar a avaliar o risco geral de desenvolver doenças cardíacas e auxiliar na estratificação de risco em uma população.
E quais foram os resultados desse estudo?
Os pesquisadores analisaram dados que contém informações de saúde de veteranos militares, um mega biobanco com dados genéticos, de pesquisa e registros eletrônicos de saúde de um grande sistema de saúde dos EUA. O objetivo era comparar a capacidade preditiva das pontuações de risco poligênico com os fatores de risco tradicionais na avaliação do risco cardiovascular. Os pesquisadores analisaram dados de saúde de uma coorte de veteranos e investigaram a associação entre fatores de risco cardiovascular tradicionais, como pressão arterial, níveis de colesterol e histórico familiar de doença cardiovascular (DCV), juntamente com escores de risco poligênico. Os escores de risco poligênico são calculados com base em múltiplas variantes genéticas associadas ao risco de DCV.
As pontuações de risco poligênico, que levam em consideração informações genéticas de vários genes associados a doenças cardiovasculares, mostraram-se superiores aos fatores de risco tradicionais na previsão do risco cardiovascular. Além disso, o estudo demonstrou que a combinação das pontuações de risco poligênico com os fatores de risco tradicionais resultou em uma melhoria adicional na precisão das estimativas de risco cardiovascular. Os principais desfechos foram infarto do miocárdio (IM) e acidente vascular cerebral. Isso quer dizer que a análise genética substitui “os velhos e bons” fatores de risco? De modo algum, ressalta-se a importância de considerar tanto os fatores de risco tradicionais quanto os fatores genéticos ao avaliar o risco cardiovascular de um indivíduo. Isso significa que, ao incorporar informações genéticas, os médicos podem obter uma visão mais abrangente do risco individual, ou seja, a realização de uma medicina com maior precisão.
Quais as implicações clínicas?
Essas descobertas podem ter implicações importantes na prática clínica. Há muita expectativa de que com a avaliação de risco cardiovascular mais precisa, os médicos possam oferecer intervenções preventivas personalizadas e direcionadas. Isso pode levar a uma redução na incidência de doenças cardiovasculares e a melhores resultados de saúde para os pacientes. As pontuações de risco poligênico na avaliação do risco cardiovascular, combinados com os escores de fatores de risco tradicionais demonstrou ser uma abordagem promissora para melhorar a precisão da estimativa do risco individual.
No entanto, o estudo liderado pelo Dr. Vassy e sua equipe sugerem uma melhora modesta (nas palavras dos próprios autores) nas métricas de discriminação, principalmente observada com a adição de escore de risco poligênico aos fatores de risco tradicionais, com maior magnitude em mulheres e faixas etárias mais jovens.
À medida que a medicina avança, é fundamental considerar a genética como parte integrante da avaliação do risco cardiovascular, abrindo caminho para uma prevenção mais eficaz e personalizada das doenças cardíacas.
Nota do Editor:
Os pontos fortes desse estudo estudo incluem o tamanho da amostra de quase 80.000 (idade média de 57 anos, todos sem cardiopatia prévia), além de proporções razoáveis de diferentes raças e etnias. No entanto, como eram veteranos, 85% eram homens.
Embora tenha havido associações estatisticamente significativas do escore de risco poligênico com a inciência de infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral, este aumento do risco foi muito modesto – apenas cerca de 10% a 20% maior. A reclassificação líquida de adicionar o escore de risco poligênico às pontuações de risco tradicionais, também foi modesta: a estatística C da adição daquela aos escores tradicionais de fatores de risco teve uma média de cerca de 0,01. Ou seja, quase nada.Os números foram ligeiramente melhores para mulheres e em pacientes mais jovens, mas a diferença absoluta na previsão foi pequena.
Embora promissores, há que se entender melhor o papel destes escores de risco poligênico, sobretudo quando associados aos fatores de risco tradicionais. Como modelos biológicos complexos, talvez ainda não estejamos captando interações importantes, entre a presença de genes, fatores ambientais, e as expressões fenotípicas de risco que podem levar de fato a eventos cardiovasculares graves.
É uma área muito promissora, mas ainda não estamos no ponto de adicionar de fato estas ferramentas na prática clínica.
ReferênciaVassy JL, Posner DC, Ho Y, et al. Cardiovascular Disease Risk Assessment Using Traditional Risk Factors and Polygenic Risk Scores in the Million Veteran Program. JAMA Cardiol. Published online May 03, 2023. doi:10.1001/jamacardio.2023.0857