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Regurgitação valvar importante e câmaras cardíacas de tamanho normal? Cuidado com esse laudo!
Escrito por
Eduardo Lapa
Publicado em
11/4/2017
Continuando nossa série de dicas básicas de ecocardiografia direcionadas para o cardiologista clínico, destacamos uma situação que vez por outra ocorre nos ambulatórios da vida. O cardiologista recebe um laudo de eco dizendo que o paciente tem, por exemplo, insuficiência aórtica importante. Contudo, quando vai ver o tamanho do ventrículo esquerdo (VE), observa que o mesmo é normal. Algum problema com essas 2 informações? Sim. Na grande maioria dos casos de regurgitação valvar crônica, há uma tendência de haver aumento das câmaras cardíacas envolvidas. Ou seja, se for um refluxo aórtico, normalmente o VE estará dilatado (é a câmara que recebe o volume de sangue que volta pela valva aórtica insuficiente). Se for uma insuficiência mitral, há aumento tanto do VE quanto do átrio esquerdo (AE). Se for refluxo tricúspide, costuma haver aumento das câmaras direitas.
Pode haver refluxo valvar importante sem dilatação das câmaras cardíacas envolvidas? Sim. Isso ocorre principalmente quando o refluxo é agudo (ex: rotura de cordoalha tendínea no caso da insuficiência mitral ou dissecção de aorta no caso da insuficiência aórtica). Nestes casos, como o insulto começou repentinamente, a dilatação demora um tempo para começar a ocorrer. Contudo, a distinção de uma valvopatia crônica para uma aguda não costuma ser muito difícil. Geralmente o paciente com regurgitação valvar aguda apresenta-se francamente descompensado, muitas vezes não conseguindo nem ficar em decúbito dorsal para a realização do exame físico devido à ortopneia.
OK. Mas excluindo-se esta possiblidade do refluxo agudo, pode haver um refluxo crônico sem dilatação de câmaras? Em parte, sim. Já vi alguns casos de insuficiência mitral importante crônica em que o VE era de tamanho limítrofe mas ainda normal e o átrio esquerdo era aumentado em grau importante. O que alguns acham é que um AE muito complacente pode, nestes casos, "tamponar" o efeito sobre o VE durante um tempo. Mas definitivamente este é um diagnóstico de exceção.
Se houver dilatação de câmaras cardíacas posso dizer que a valvopatia é importante? Não. O achado de dilatação de câmaras é bastante sensível mas perde em especificidade.
No final das contas, o que eu faço se pegar um laudo de eco dizendo que há, por exemplo, insuficiência aórtica importante com VE de dimensões normais em caso que claramente não é agudo? Questione o laudo do eco. Há várias possibilidades: a mais provável é que a regurgitação não seja importante. Também pode ser que o tamanho do VE tenha sido subestimado. Enfim, é importante checar as imagens do eco, discutir o resultado com a pessoa que fez o exame e, em caso de dúvida, pedir para um ecocardiografista de sua confiança repetir o exame para tirar a dúvida.
Dica: os exames complementares sempre têm que fazer sentido. Na hora em que você vir qualquer exame complementar que traga contradições dentre dele mesmo ou que não seja condizente com a percepção clínica, revise tudo e desconfie que o exame possa estar errado.
OBS: há uma semana vi exemplo prático do que disse acima. Paciente com síncope e dor torácica veio para consulta no ambulatório. Sopro sistólico ejetivo típico de estenose aórtica grave (pico tardio, A2 ausente, etc). Eco realizado em outro serviço com descrição de EAo importante mas com paredes ventriculares de espessura normal (8 mm). Não fazia sentido! Como uma estenose aórtica em um paciente já sintomático apresenta paredes sem hipertrofia? Repeti o eco pessoalmente e as paredes na verdade mediam 13 mm ( normal até 10 mm no sexo masculino). Agora sim, o exame estava todo condizente com o diagnóstico principal.
Resumo:
- regurgitações valvares crônicas de grau importante cursam, na grande maioria dos casos, com dilatação das câmaras cardíacas envolvidas. Casos agudos podem cursar com câmaras ainda de tamanho normal.
Referência: Zoghbi WA. Recommendations for Noninvasive Evaluation of Native Valvular Regurgitation. JASE. 2017.