Quem tem medo do pneumococo?

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Os dados epidemiológicos são suficientes para que a gente considere, sim, que o pneumococo deve ser temido.

O pneumococo é um agente infeccioso bacteriano responsável diretamente pela morte anual de mais de 1 milhão de crianças pelo mundo.

A sua resistência aos antimicrobianos é um grande problema de saúde pública, com 15 a 30% sendo classificados como MDR (multidroga resistente: quando há resistência a pelo menos 3 classes distintas de antibióticos).

A vacina conjugada é eficaz no controle da doença, porém protege apenas contra os sorotipos contidos no imunizante. Isso quer dizer uma proteção apenas contra 10 ou 13 sorotipos, a depender da vacina, quando já existem mais de 90 sorotipos identificados.

O pneumococo é um diplococo Gram positivo, contido em uma cápsula polissacarídica. É justamente esta cápsula polissacarídica que diferencia os mais de 90 sorotipos.

Indivíduos saudáveis carreiam o pneumococo na sua nasofaringe, o que é mais visto em crianças pequenas que frequentam creches, com taxas de prevalência de 21 a 59%.

O fluxo ciliar normal do fluido do ouvido médio, através da trompa de Eustáquio e seios da nasofaringe, costuma prevenir a infecção a partir desta flora local. Por esta razão, quando há interferência sobre esse fluxo, seja por um quadro de alergia, uma infecção viral ou irritantes (fumaça de cigarro), pode haver uma facilitação de colonização e consequente infecção de sítios que antes eram estéreis, levando a quadros de sinusites e otites.

Além de sinusites e otites, o pneumococo também pode ser o agente causador de um grave quadro de meningite.

Porém, o nome pneumococo já nos sugere o quadro mais relevante relacionado a esta bactéria: a pneumonia.

O pneumococo é o principal agente etiológico das pneumonias bacterianas em pediatria em todas as faixas etárias (com exceção da fase neonatal), embora as estatísticas nos EUA mostrem os agentes atípicos predominando nos maiores de 5 anos.

A doença é facilitada por uma infecção viral do trato respiratório (destaque para iInfluenza) que lesa a mucosa, diminuindo a atividade ciliar epitelial e reduzindo a ação de macrófagos alveolares e neutrófilos no local.

É comum a infecção em um local do pulmão se espalhar para as áreas adjacentes, levando ao característico envolvimento lobar.

O hemograma mostra leucocitose importante com os números variando de 15 mil a 40 mil leucócitos/mm³.

A hemocultura, embora bastante específica, é pouco sensível, sendo positiva em apenas 10% dos casos de infecção pulmonar pneumocócica.

O pneumococo pode levar a quadros de bacteremia, sendo a doença invasiva de 30 a 100 vezes mais comum em crianças falcêmicas ou com asplenia (cirúrgica ou congênita).

O risco é ainda maior em lactentes pela produção insuficiente de anticorpos, própria da idade.

A asplenia aumenta a incidência da doença pneumocócica por se relacionar com opsonização deficiente e ausência de eliminação da bactéria da corrente sanguínea, que seria feita pelo baço.

Uma situação rara relacionada ao pneumococo é a síndrome hemolítico-urêmica (SHU), que ocorre na vigência da infecção que em geral é uma pneumonia complicada com empiema. Este quadro de SHU pode acontecer com um pneumococo produtor de neuraminidase.

A neuraminidase cliva o ácido siálico das células endoteliais renais, das hemácias e plaquetas. Isso expõe o antígeno (T) Thomsen-Friedenreich. Em seguida, a IgM endógena reage com esse T antígeno levando à hemólise e anemia,com um teste de Coombs direto positivo.

Voltando à pneumonia: o tratamento nos casos não complicados pode ser feito com a amoxicilina por via oral.

Em pacientes com quadros de pneumonias graves, que necessitem internação, pode ser feita a ampicilina IV ou a penicilina cristalina IV.

As cefalosporinas de 3ª geração podem ser uma opção quando há resistência intermediária às penicilinas.

Em adolescentes, uma outra opção é o uso de “quinolonas respiratórias” como o levofloxacino.

Por fim, para as cepas com resistência elevada está indicado o uso da vancomicina.

Neste ano de 2022 observamos um aumento do número de casos de pneumonias muito graves associadas ao empiema. Isto aconteceu no Rio de Janeiro, presenciado por mim, e em muitas outras cidades, segundo relato de colegas. Embora o diagnóstico etiológico dessas pneumonias fosse difícil, em alguns pacientes, nos quais se confirmou o agente, este era o pneumococo.

Tais relatos reforçam a importância da vacinação em massa das crianças contra o pneumococo ainda na fase de lactente com a vacina disponível (10 ou 13-valente).

Autor: Vinícius Moreira Gonçalves

Referências

KLIEGMAN, Robert. Nelson: Textbook of Pediatrics. 21 ed. Canada: Elsevier, 2020.