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Quem disse que paciente com IC grave mas VO2 > 14 mL/kg/min não tem indicação de transplante cardíaco?
Escrito por
Eduardo Lapa
Publicado em
19/9/2017
Quando vamos ler os guidelines de insuficiência cardíaca (IC) vemos que os pacientes que possuem indicação de transplante cardíaco (tx) são os que possuem fração de ejeção baixa (<35%) e, entre outros parâmetros, VO2 medido pela ergoespirometria abaixo de 14 mL/kg/min. Mas quem foi que disse que VO2 abaixo destes valores corroboram a indicação de tx enquanto que valores acima de 14 indicariam conduta expectante mesmo o paciente tendo IC grave? Os dados vieram de um estudo clássico publicado no Circulation em 1991. Como foi o estudo?
- Os pesquisadores dividiram os pacientes encaminhados para avaliação para tx cardíaco em um hospital dos Estados Unidos em 3 grupos: pacientes em que o tx estava indicado e que possuíam VO2 < 14 mL/kg/min, pacientes com VO2 < 14 mL/kg/min mas que possuíam alguma contraindicação não cardiológica para o tx e pacientes considerados clinicamente estáveis, com VO2 > 14 mL/kg/min e que portanto não foram colocados em fila de tx.
- O objetivo do estudo era ver se no grupo com VO2 > 14 mL/kg/min o transplante poderia ser postergado sem haver comprometimento para o paciente. Pra isto, os pesquisadores avaliaram a sobrevida em 1 ano nos 3 grupos.
- Resumo da ópera: pacientes que estavam listados para tx (VO2< 14 mL/kg/min) apresentaram mortalidade em 1 ano de 30%. Pacientes com VO2 < 14 mL/kg/min e que tiveram o tx contraindicado apresentaram mortalidade em 1 ano de 53%. Já o grupo com VO2 > 14 mL/kg/min apresentou mortalidade em 1 ano de apenas 6% e em 2 anos, de 16%.
- As mortes que ocorreram no grupo com VO2 > 14 mL/kg/min foram na enorme maioria súbitas, ou seja, provavelmente secundárias a eventos arrítmicos. Tais mortes em teoria poderiam ser prevenidas por terapêuticas que dispomos atualmente como CDI.
- Qual foi a importância deste estudo? Mostrou que pacientes com IC com fração de ejeção reduzida, sintomas controlados e VO2 > 14 mL/kg/min podem ser seguidos com segurança ambulatorialmente, sem ser necessário indicar-se tx cardíaco neste momento. E por que isto? Porque a mortalidade pós-tx, mesmo nos dias atuais, fica em torno de 15% em 1 ano. Não porque submeter-se um paciente ambulatorial a um risco elevado deste se o seu prognostico sem intervenção é bem melhor que com o procedimento.
- Depois deste estudo, fortaleceu-se a tendência de pedir-se de rotina ergoespirometria para pacientes com IC com fração de ejeção reduzida (<35%), potenciais candidatos para tx cardíaco que são acompanhados ambulatorialmente.
Referência: Mancini DM et al. Value of Peak Exercise Oxygen Consumption for Optimal Timing of Cardiac Transplantation in Ambulatory Patients With Heart Failure. Circulation 1991.