Quando encaminhar seu paciente para um especialista em insuficiência cardíaca?

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Imagina que você tem uma paciente que acompanha há anos no seu consultório com insuficiência cardíaca (IC). Até o final do ano passado, mantinha-se estável em CF I. No último ano, entretanto, Dona Maria começou a ficar mais sintomática, limitada pela doença e com internações recorrentes. A doença progrediu. Dona Maria faz parte dos 5% dos pacientes com IC que evoluem para o estágio avançado da doença. Nesse momento, otimizar medicações ou utilizar dispositivos convencionais podem não melhorar a qualidade de vida e nem aumentar a sobrevida dela. Devido à complexidade desses pacientes, tem-se estimulado o encaminhamento a centros especializados no tratamento de IC avançada. Estes são caracterizados pela capacidade de ofertar terapias avançadas como o transplante cardíaco (TXC) ou dispositivo de assistência ventricular esquerda de longa permanência (left ventricular assist device -LVAD). Os pacientes são inicialmente avaliados para determinar se há uma causa reversível de sua deterioração que possa permitir a estabilização clínica e o tratamento intensivo adicional é implementado. Se a estabilização não puder ser alcançada, há recursos para fornecer uma terapia adicional. Mas, quando encaminhar seu paciente para um especialista em insuficiência cardíaca?

Apesar do número crescente de centros e profissionais especialistas em IC avançada no Brasil e no mundo, a maioria dos pacientes são tratados por especialistas em medicina interna e cardiologistas gerais. É fundamental que os médicos que cuidam de IC saibam reconhecer o estágio avançado da doença e se sintam aptos encaminhar estes doentes. Um processo simples feito em duas etapas pode ajudar nessa decisão.

Etapa 1: O paciente tem ou está se aproximando de uma IC avançada (estágio D)?

  • Sinais e sintomas característicos de IC avançada: O mnemônico I-NEED-HELP foi desenvolvido para ajudar os profissionais a reconhecer os pacientes que se beneficiariam de uma avaliação em um centro de IC avançada. Caso o médico ainda continue com dúvida, teste cardiopulmonar pode ajudar.
  • Pistas nos estudos de imagem característicos de IC avançada: o ecocardiograma bidimensional é indicado na avaliação inicial do paciente com IC e quando há mudança clínica. Presença de dilatação do ventrículo esquerdo (VE) importante (> 80 mm), insuficiência mitral significativa, hipertensão pulmonar, alteração restritiva importante do VE ou disfunção ventricular direita (VD) concomitante são marcadores de uma doença mais avançada.
  • Avaliação invasiva hemodinâmica: Só a necessidade do uso de cateterismo direito para ajudar no manejo desse paciente já marca uma IC de alto risco. Além disso, a presença de má perfusão associado a baixo índice cardíaco com elevadas pressões de enchimento, associado a incapacidade de melhora da congestão com otimização de tratamento justifica inicio de avaliação de terapia avançadas.

Etapa 2: Se um paciente tem ou está se aproximando de uma IC avançada (estágio D), ele poderia se beneficiar de ter seu atendimento coordenado por um centro especializado ou pode manter seu seguimento em seu local atual?

  • Nos pacientes que tenham condições clínicas outras, mas que limitam a sua sobrevida (exemplo: câncer avançado, DPOC em uso de oxigênio domiciliar, etc.), a decisão de encaminhar deve ser ponderada pelo médico assistente.
  • Pontos importantes a serem abordados antes do encaminhamento:
    • Avaliar e tratar qualquer condição reversível: DAC com indicação de revascularização, arritmias não tratadas, causas tratáveis (exemplo: doença da tireoide);
    • Tentar iniciar e otimizar tratamento clínico conforme diretrizes;
    • Avaliar se há indicação de ressincronização cardíaca;
    • Tratamento adequado de outras comordidades (diabetes mellitus, obesidade, DPOC, etc.)
    • Eduque paciente sobre pontos que podem piorar sua condição clinica e inclusive atrasar a candidatura para TXC ou LVAD (não aderência a terapêutica, faltar consultas, manter uso de substancia ilícitas, tabagismo ou álcool);
    • Certifique-se que o paciente tem um suporte social adequado;
  • O momento ideal do encaminhamento a um centro de IC avançada: aquele no qual está se aproximando da indicação do TXC ou LAVD, mas não tão tardio que já ocorra um dano progressivo e irreversível em órgãos alvos. O paciente com baixo débito cardíaco, mas sem evidência de hipotensão ou disfunção orgânica refratária estaria na janela ideal (atentar para as pistas clínicas). Caso o médico assistente tenha dúvida, ele deve ser encorajado a discutir o caso com um especialista em IC. As penalidades do encaminhamento tardio podem ser maiores do que o encaminhamento precoce. Além disso, os pacientes que desenvolvem choque cardiogênico merecem uma avaliação por um grupo especialista em IC avançada (Shock Team) para auxiliar no manejo e nas decisões terapêuticas.
  • Populações especiais: Atentar para populações que habitualmente são encaminhadas mais tardiamente para uma avaliação (exemplo: mulheres, negros, população de baixa renda, moradores de zonas rurais).

Ao ser encaminhado para um centro voltado para IC avançada, o paciente será acompanhado por uma equipe multidisciplinar especialista que irá atuar montando um plano terapêutico individualizado. Um modelo de cuidado compartilhado feito entre o médico assistente e o especialista em IC avançada pode facilitar o seguimento do doente, principalmente quando o centro é distante. Além disso, a telemedicina pode beneficiar os que vivem em comunidades rurais ou que não podem comparecer fisicamente para uma consulta.

Entre os principais benefícios de um seguimento em um centro com especialista em insuficiência cardíaca teremos: diagnóstico de etiologias que possuem tratamento específico (exemplo: amiloidose e sarcoidose), acesso a ferramentas diagnósticas como biópsia endomiocárdica e teste genético, possibilidade de ter acesso a novas terapêuticas e testes prognósticos, infraestrutura para fazer uso de medicações venosas via hospital dia, seguimento multidisciplinar e finalmente avaliação para terapia avançadas.

Além disso, é importante ressaltar a importância da avaliação do especialista em cuidados paliativos para que as expectativas sejam alinhadas, devido à alta mortalidade neste grupo. A decisão sobre que estratégia terapêutica será tomada assim como os potenciais riscos e benefícios de cada uma deve ser feita em conjunto com o paciente, familiares e cuidadores responsáveis. E apesar de difícil, é importante o discernimento da equipe de qual o momento de iniciar a discussão sobre o fim da vida.

Lembrou de algum caso como Dona Maria? Considere compartilhar com um especialista em insuficiência cardíaca.