Qual o nível sérico ideal de potássio para doentes com insuficiência cardíaca?

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Qual o nível sérico ideal de potássio para doentes com insuficiência cardíaca?

Distúrbios de potássio são comuns em indivíduos com insuficiência cardíaca (IC), e aumentam o risco de arritmia e morte súbita. Em geral estão associados a comorbidades, como doença renal e diabetes, e ao uso de certas drogas, como diuréticos, suplementos de potássio e antagonistas do sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA). Adicionalmente, em casos de perfusão renal muito reduzida, a reabsorção de sódio no néfron proximal pode ser tão intensa que restará pouco sódio disponível no distal, reduzindo ainda mais a excreção renal de potássio.

O benefício de antagonistas mineralocorticoides, também conhecidos como diuréticos poupadores de potássio, tornou o manejo do potássio ainda mais desafiador em doentes com IC. Estudos como o RALES, o EPHESUS e o EMPHASIS-HF, na ICFER e o TOPCAT, na ICFEP, foram realizados com protocolos rigorosos e relataram baixas taxas de eventos adversos por hipercalemia. No entanto, sabemos que na rotina clínica isso não costuma ser uniformemente verdadeiro.

As implicações prognósticas de medidas isoladas de potássio em portadores de IC já foram avaliadas em diversos estudos, com achados controversos. Um recente estudo espanhol observacional, prospectivo e unicêntrico investigou o impacto da monitorização de longo prazo da potassemia em 2.164 pacientes após alta por IC descompensada. A análise multivariada exibiu associação não-linear (em forma de U) de potassemia com mortalidade, ou seja, alto risco tanto na hipo (< 3,5 mEq/L) quanto na hipercalemia (> 5 mEq/L). Tomando normocalemia (3,5-5,0 mEq/L) como referência, o hazard ratio de morte ajustado para hipo e hipercalemia foi de 2,35 e 1,55 respectivamente. Em contraste, a transição ambulatorial de hipo ou hipercalemia para normocalemia foi associada a redução desse risco durante um follow-up médio de 2,8 anos.

A hipocalemia é um fator de risco conhecido para prolongamento do intervalo Q. Entretanto, o estudo não encontrou associação entre hipocalemia e morte súbita, talvez por falta de poder estatístico. Outras complicações da hipocalemia na IC são rabdomiólise, disfunção endotelial, e resistência diurética. A hipercalemia, por outro lado, está associada com assistolia, fibrilação ventricular e morte súbita. No estudo espanhol, pacientes com hipercalemia tinham IC mais grave e tratamento sub-ótimo, possivelmente pela restrição da titulação de antagonistas do SRAA. Os próprios autores reconhecem, dentre os potenciais vieses do estudo, o fato de que o risco de morte observado nos extremos de potassemia poderia não ser resultante das alterações do eletrólito em si, mas sim de fatores de confusão associados com essas alterações.

Esse estudo tem diversas limitações, mas reforça a importância do monitoramento cuidadoso do potássio em doentes com IC, não apenas durante a internação mas também no período de transição e ambulatorial. Na conclusão, os autores sugerem que a manutenção da potassemia dentro da faixa de 3,5 a 5,0 mEq/L deveria ser considerada um alvo terapêutico na IC.

Núñez J, Bayés-Genís A, Zannad F, et al. Long-term potassium monitoring and dynamics in heart failure and risk of mortality. Circulation. 2018;137:1320-1330