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Qual o melhor imunossupressor no transplante cardíaco?
Escrito por
Jefferson Vieira
Publicado em
19/2/2018
O transplante cardíaco (TC) é o tratamento de escolha para a insuficiência cardíaca em estágio D, ganhando força sobretudo a partir dos anos 80 com o advento da ciclosporina, um inibidor de calcineurina (ICN) usado classicamente como imunossupressor. A imunossupressão padrão adotada pela maioria dos centros de TC envolve o uso de 3 fármacos, em geral um corticóide, um ICN (ciclosporina ou tacrolimo) e um antiproliferativo (micofenolato ou azatioprina). A classe mais recente de imunossupressores para o TC é a dos inibidores da rapamicina (mTORi, incluindo sirolimo e everolimo). De acordo com registros da ISHLT, a estratégia de manutenção mais adotada pelos centros de TC é a composta por tacrolimo com micofenolato.
Apesar de avanços recentes observados no TC, sua sobrevida ainda é limitada por complicações tardias como a doença vascular do enxerto (DVE) e neoplasias. Estudos com estatinas, bloqueadores de cálcio e inibidores da ECA já demonstraram retardo na progressão da DVE, mas sem sucesso em evitar seu surgimento. Dentre os imunossupressores, os mTORi são superiores aos antiproliferativos na redução de incidência e progressão da DVE. Vale ressaltar que a introdução de mTORi até o 3º mês de pós-TC está associada com disfunção renal, derrame pericárdico, atraso na cicatrização da ferida operatória e infecções bacterianas.
Recentemente, foram publicados no JACC os resultados de um estudo da clínica Mayo que testou a segurança e a eficácia da troca de ICN por sirolimo como terapia de manutenção no seguimento tardio do TC. Apesar de ser um estudo unicêntrico e retrospectivo, seus achados são amparados por um grande tamanho de amostra e pelo maior tempo de follow-up até o momento. Todos os 402 transplantados incluídos na análise começaram recebendo o protocolo de manutenção padrão do TC, mas após 3 meses o ICN de alguns pacientes foi trocado por sirolimo. As principais razões para a troca foram: insuficiência renal ou outros efeitos adversos dos ICN, DVE de grau ≥ 2 ou conforme o protocolo institucional. Foram comparados 3 grupos: pacientes que permaneceram com ICN, aqueles que trocaram precocemente para sirolimo (entre 3 meses e 2 anos do TC), e aqueles que trocaram tardiamente para sirolimo (após 2 anos do TC). O follow-up médio foi de 8,9 anos, e incluiu rotina de biópsia endomiocárdica e ultra-sonografia intracoronariana tridimensional.
O estudo confirmou a expectativa de benefícios com a troca de ICN por sirolimo, evidenciando menor progressão da placa, menos eventos adversos associados à DVE e, sobretudo, menor mortalidade por todas as causas. Além disso, a troca precoce foi associada a desfechos clínicos mais favoráveis como redução nas taxas de hipertensão e de volume da placa e maior nefroproteção quando comparada a troca após 2 anos.
Infelizmente, esse estudo não esclarece qual o impacto do sirolimo sobre os episódios de rejeição, pois todo paciente com uma biópsia positiva para rejeição teve o ICN reintroduzido como parte do protocolo institucional. Além disso, os autores também não avaliaram o impacto do sirolimo sobre a outra principal causa de mortalidade tardia no TC, as neoplasias. Já existem evidências sugerindo menor incidência de neoplasias em pacientes tratados com mTORi, com ou sem ICN. E agora, com a demonstração inédita do benefício dos mTORi na sobrevida do TC, futuros estudos devem ser direcionados na investigação de seu efeito sobre malignidades.