Pré-condicionamento isquêmico no AVC

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Pré-condicionamento isquêmico no AVC

As terapias de reperfusão para o acidente vascular cerebral (AVC) isquêmico, incluindo a trombólise endovenosa e a trombectomia mecânica, têm sido recomendadas pelas diretrizes atuais como a estratégia mais eficaz.1 Porém, em estudo recente de 2012, estima-se que apenas 37% dos pacientes tiveram um bom prognóstico após a trombólise endovenosa,2 e uma meta-análise de 2016 concluiu que somente cerca de 46% dos pacientes com oclusão de grandes artérias tiveram um bom resultado após a terapia endovascular.3 Acredita-se também que apenas 20% dos pacientes recuperam totalmente a funcionalidade da mão; 50% deambulam sem auxílio; ao passo que 67% desenvolvem disfagia e 30 a 50% permanecem com heminegligência. Além disso, apenas uma pequena parcela dos pacientes pode ser tratada com terapias de reperfusão, devido à janela terapêutica limitada, às contraindicações ao tratamento e à necessidade de neuroimagem avançada. Portanto, estratégias neuroprotetoras para reduzir a incapacidade funcional decorrente do AVC isquêmico vêm sendo estudadas como um alvo interessante de pesquisa mesmo na ausência de terapia de reperfusão, com intuito de redução da inflamação, da quebra de barreira hematoencefálica e do edema vasogênico e melhora da neuroplasticidade. Nesse sentido, será que o pré-condicionamento isquêmico é eficaz no AVC?Evidências crescentes têm demonstrado a ação neuroprotetora do condicionamento isquêmico remoto (remote ischemic conditioning; RIC) em estudos pré-clínicos, reduzindo as sequelas do infarto cerebral e melhorando os resultados neurológicos.4,5 Porém há uma escassez de dados robustos com evidência para o efeito neuroprotetor do RIC em pacientes com AVC isquêmico devido a pequenos tamanhos de amostra, diferentes tipos de procedimento de RIC e heterogeneidade de pacientes com graus variados de déficits neurológicos.6-9Nesse contexto, o Remote Ischemic Conditioning for Acute Moderate Ischemic Stroke (RICAMIS) trial10 compreende um interessante ensaio clínico randomizado multicêntrico, aberto, desenhado para avaliar a eficácia de duas semanas de RIC em pacientes com AVCI moderado agudo dentro de 48 horas do início dos sintomas. Foram excluídos pacientes que receberam trombólise endovenosa ou terapia endovascular; apresentavam hipertensão grave não-controlada (pressão arterial sistólica ≥180 mm Hg ou pressão arterial diastólica ≥110 mm Hg refratária); possuíam qualquer contraindicação para RIC (por exemplo, membro superior com lesão grave de partes moles, fratura ou lesão vascular, membro superior com insuficiência arterial periférica); ou os casos de AVCI cardioembólico (por exemplo, fibrilação atrial) devido ao alto risco de transformação hemorrágica.Assim, no grupo intervenção, o manguito eletrônico pneumático era colocado ao redor dos membros superiores, dentro das 48 horas do início dos sintomas, conforme o protocolo do estudo: 5 ciclos de insuflação do manguito (200 mm Hg por 5 minutos) e deflação (por 5 minutos), para um tempo total de procedimento de 50 minutos, duas vezes ao dia por 10 a 14 dias.6 No grupo intervenção, os pacientes receberam tratamento RIC além do tratamento recomendado pelas diretrizes (como medicação antiplaquetária ou anticoagulante e estatinas) 1 e todos os pacientes completaram o RIC no hospital. Já no grupo controle, os pacientes receberam apenas o tratamento recomendado pelas diretrizes. O critério de conclusão de RIC no estudo foi definido como 80% a 120% de conclusão um programa de tratamento RIC de 10 a 14 dias. O exame neurológico foi avaliado com base na escala do NIHSS na admissão, 7 dias e 12 dias após a randomização.O desfecho primário correspondia a um resultado funcional excelente em 90 dias, definido como uma pontuação de 0 a 1 no modified Rankin score (mRS) para avaliação de incapacidade neurológica (esta escala vai de 0 a 6, sendo 0 ausência de déficit neurológico, 1 déficit mínimo, 2- déficit leve; 3- déficit moderado; 4- déficit grave; 5- acamado; 6- morte). Já os desfechos secundários compreendiam o resultado funcional favorável (mRS, 0-2) em 90 dias; uma mudança ordinal shift nas pontuações no mRS em 90 dias; ocorrência de deterioração neurológica precoce em comparação com linha de base em 7 dias, definida como aumento de mais de 2 pontos no NIHSS, mas não como resultado de hemorragia cerebral; ocorrência de pneumonia associada ao AVCI no período de 12 dias; mudança na pontuação NIHSS comparado com a linha de base em 12 dias; ocorrência de AVC ou outro eventos vasculares em 90 dias; e a ocorrência de morte por qualquer causa dentro de 90 dias. Quaisquer eventos adversos ocorridos durante o estudo foram gravados, como dor nos membros superiores avaliada pela escala visual, edema, eritema, petéquias nos braços, hemorragia intracerebral e vertigem não-presente no início do estudo. A adjudicação dos resultados clínicos e dos efeitos adversos foi realizada por avaliadores que desconheciam a alocação dos grupos, a fim de se evitar o viés de aferição. (Quer saber mais sobre isto? Leia em https://d3gjbiomfzjjxw.cloudfront.net/os-vieses-em-pesquisa/)Entre dezembro de 2018 e abril de 2021, 1.893 pacientes foram randomizados para o grupo RIC (922 pacientes) ou grupo controle (971 pacientes). Um total de 117 pacientes (6,2%) foram excluídos. Portanto, 1.776 pacientes (863 no grupo RIC e 913 no grupo controle) concluíram o estudo. Para o desfecho primário, a proporção de pacientes com pontuação mRS de 0 a 1 em 90 dias foi 67,4% (582/863) no grupo RIC e 62,0% (566/913) no grupo controle, resultando em um OR não ajustado de 1,27 (IC 95%, 1,05-1,54; P = 0,02). O OR permaneceu significativo após o ajuste para as variáveis ​​de prognóstico pré-especificadas (OR, 1,41 [IC 95%, 1,14-1,74]; P = 0,002).Para os resultados secundários, houve diferença significativa na pontuação mRS de 0 a 2 e melhora de mRS em 90 dias em análises não-ajustada e ajustada. No entanto, não foram observadas diferenças significativas nos outros resultados secundários. Na análise por protocolo, diferenças significativas no mRS de 0 a 2 e melhora de mRS em 90 dias também foram encontradas entre os grupos em ambas as análises não-ajustada e ajustada, enquanto nenhuma diferença significativa foi evidente nos outros resultados secundários em ambas as análises.Assim, no AVC isquêmico moderado agudo, o tratamento com pré-condicionamento isquêmico remoto em comparação com cuidados habituais aumentou significativamente a probabilidade de excelente desfecho funcional em 90 dias. No entanto, esses achados requerem replicação em outros estudos e em populações não-asiática antes de concluir a eficácia para esta intervenção.Referências:

  1. PowersWJ, Rabinstein AA, Ackerson T, et al. Guidelines for the early management of patients with acute ischemic stroke: 2019 update to the 2018 guidelines for the early management of acute ischemic stroke: a guideline for healthcare professionals from the American Heart Association/American Stroke Association. Stroke. 2019;50(12):e344-e418. doi:10.1161/STR.0000000000000211.
  2. Sandercock P,Wardlaw JM, Lindley RI, et al; IST-3 Collaborative Group. The benefits and harms of intravenous thrombolysis with recombinant tissue plasminogen activator within 6 h of acute ischaemic stroke (the third international stroke trial [IST-3]): a randomised controlled trial. Lancet. 2012;379(9834):2352-2363. doi:10.1016/S0140-6736(12) 60768-5.