Posso usar metformina em pacientes com doença renal crônica?

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O diabetes é a principal causa de insuficiência renal em todo o mundo, com presença de doença renal crônica (DRC) em estágio 3 ou superior (taxa de filtração glomerular [TFG] < 60 mL/min/1,73 m2) em um quarto dos pacientes. A prescrição de medicamentos para o controle glicêmico é um desafio em pacientes com insuficiência renal grave (TFG estimada [TFGe] < 30 mL/min/1,73 m2), para os quais as sulfonilureias são mais frequentemente prescritas (58%). A metformina sofre rápida excreção renal sem metabolismo.   Apesar da falta de uma associação causal clara, as atuais diretrizes afirmam que a metformina não deve ser iniciada nem continuada em pacientes com TFGe < 30 mL/min/1.73 m2, um limite abaixo do qual a metformina é considerada insegura. As evidências atuais sobre os benefícios e a segurança da metformina em pacientes com DRC estágio 4 permanecem limitadas, sem nenhum ensaio clínico randomizado nessa população.  

No entanto, em um estudo farmacocinético, os autores demonstraram que uma dose diária de metformina de 500 mg parecia segura em pacientes com DRC estágio 4 (TFGe < 30 mL / min / 1,73 m2) com concentrações sanguíneas de metformina farmacologicamente eficazes e nenhum caso de hiperlactatemia (>5 mmol / L) relatado após 4 meses de tratamento. É, no entanto, importante notar que este estudo examinou apenas a segurança em um curto período e que faltam dados sobre segurança a longo prazo.

Mais recentemente, um estudo publicado no American Journal of Kidney disease (AJKD) comparou os resultados entre pacientes que continuaram ou interromperam a metformina após o desenvolvimento de TFGe < 30ml/min. Usando banco de dados da rede de saúde escocesa, foram identificados 4.278 usuários de metformina que atingiram DRC G4/5 durante a terapia e tinham histórico de boa adesão à terapia. Esses pacientes experimentaram mudanças frequentes na prescrição de metformina durante o acompanhamento, provavelmente refletindo incerteza e hesitação sobre as melhores práticas dos médicos: 40% pararam de usar metformina em 6 meses, mas 4% deles reiniciaram a metformina logo depois; Entre os 60% que continuaram com metformina, cerca de metade parou em algum momento.

Neste estudo, a interrupção da metformina foi associada a um risco 23% maior de mortalidade por todas as causas em 3 anos (um benefício absoluto de 7%). No entanto, o risco de eventos cardiovasculares (MACE) foi semelhante entre as 2 estratégias. Os autores concluem que a menor taxa de mortalidade por todas as causas pode apoiar a continuação desse tratamento diante da progressão da doença renal. Desfechos importantes como risco de acidose, melhora do controle glicêmico ou atraso de progressão da doença renal não foram abordados devido ao poder estatístico limitado do estudo.

Em outro estudo recente publicado na revista Lancet, usando dados de saúde de Hong Kong, foram comparados desfechos clínicos entre 7.500 (22%) pacientes que interromperam o tratamento com metformina no prazo de 6 meses de inicio de DRC G4/5 e 26.086 (78%) pacientes que continuaram com metformina. Nesse estudo, a interrupção da metformina foi associada a um risco 22% maior de morte, 40% maior de MACE e um risco 52% maior de insuficiência renal. Dentro de um subconjunto menor (n= 3.235) em que as medidas de pH e lactato foram avaliadas, não houve diferença quanto à ocorrência de acidose láctica.

É importante reforçar que esses estudos baseados em banco de dados são observacionais, expostos à uma série de confundidores e que não substituem os ensaios clínicos randomizados. Entretanto, considerando as dificuldades e custos enolvidos, dificilmente teremos esse estudo. Os dados apresentados apontam que apesar das recomendações de diretrizes, muitos médicos e pacientes decidem continuar a medicação: 80% dos pacientes continuaram algum uso de metformina em Hong Kong e 60% na Escócia.

Por enquanto, considerando a baixa frequência de eventos adversos, pacientes e médicos podem se propor a decisões compartilhadas, considerando os benefícios potenciais da continuação uso de metformina na DRC G4/5. Felizmente, a metformina não é a única opção para o tratamento de diabetes e DRC. Embora mais caros, tratamentos como os agonistas de GLP1 e inibidores de SGLT2 têm evidências robustas de segurança e proteção cardiorrenal.