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Disfunção de ventrículo esquerdo que melhora com medicações: o que fazer?
Escrito por
Jefferson Vieira
Publicado em
29/11/2018
Maria, 24 anos, previamente hígida, deu entrada na emergência médica do hospital local com quadro de choque cardiogênico na 1ª semana do puerpério de sua 1ª gestação. Após estabilização inicial e diagnóstico de insuficiência cardíaca (IC) por provável cardiomiopatia periparto, Maria apresentou remodelamento reverso do ventrículo esquerdo (RRVE) com alguns meses de triplo bloqueio neuro-hormonal para IC. Agora que se encontra completamente assintomática, Maria quer saber se precisa continuar tomando esses remédios pelo resto da vida...
Tradicionalmente, especialistas em IC orientam seus pacientes a continuarem tomando as medicações, mas sem evidências para embasar essa decisão. O problema, especialmente em pacientes jovens com RRVE, é a relutância em continuar tomando medicamentos por muitos anos sem enxergar a real evidência de benefício. Isso sem contar potenciais contra-efeitos como hipotensão, bradicardia, mastalgia, disfunção erétil, etc. e a sobrecarga financeira que certos medicamentos podem representar para alguns pacientes.
Novos dados científicos sobre esse quiestionamento foram apresentados no AHA, e publicados simultaneamente no Lancet. O estudo TRED-HF avaliou 63 pacientes com RRVE após diagnóstico de cardiomiopatia dilatada (FE inicial média de 25% e etiologia idiopática na maioria dos casos), randomizados para suspensão (N=25) ou manutenção da terapia de IC (N=26). A terapia inicial consistia em 12% de diuréticos de alça, 47% de antagonistas dos receptores de mineralocorticoides, 88% de betabloqueadores e 100% de inibidores da ECA.
- A triagem inicial foi composta por avaliação clínica, questionário de qualidade de vida, ressonância magnética cardíaca, dosagem de NT pro-BNP e teste cardiopulmonar antes da randomização
- Após 6 meses, pacientes do grupo manutenção também foram submetidos à suspensão da terapia (abordagem chamada crossover de braço único) seguindo o mesmo protocolo do grupo suspensão
- O desfecho primário foi recidiva de IC definida com queda de 10% na FE (atingindo valores de FE < 50%), aumento de 10% no volume diastólico final do VE, elevação de NT pro-BNP em duas vezes (atingindo valores acima de 400ng/L) ou evidência clínica de IC
- A terapia era imediatamente reintroduzida quando o desfecho primário ocorria.
O desfecho primário de recidiva da IC foi observado em 44% dos pacientes do grupo suspensão e em nenhum paciente do grupo manutenção. Além disso, quando os pacientes do grupo manutenção foram submetidos ao crossover de braço único, o desfecho de recidiva foi observado em 36% dos indivíduos. Em resumo, aproximadamente 40% dos pacientes apresentaram recidiva da IC após a suspensão do bloqueio neuro-hormonal, indicando que os medicamentos eram absolutamente necessários na preservação da função cardíaca e da longevidade.
Nota:
Apesar do frequente uso dos termos remissão e recuperação como sinônimos de RRVE, a literatura sugere que existem diferenças entre esses dois fenômenos. Embora as diferenças biológicas não sejam completamente conhecidas, acredita-se que o termo remissão descreva a normalização do fenótipo de IC em corações que já sofreram danos irreversíveis, enquanto recuperação seria a verdadeira reversão completa.
A evidência de recidiva da IC após suspensão da terapia especializada sugere que, em uma grande parcela dos casos, o RRVE reflete apenas a remissão de uma condição crônica subjacente, mas não a recuperação. Como ainda não dispomos de preditores suficientemente robustos para diferenciar remissão de recuperação, o mais seguro é manter indefinidamente pelo menos uma das drogas de bloqueio neuro-humoral.