Por que o cardiologista tem que conhecer Cuidados Paliativos?

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Por que o cardiologista tem que conhecer Cuidados Paliativos?

O termo “Cuidados Paliativos” tem sido bastante utilizado na medicina atual, mas muitas vezes a equipe de saúde desconhece seu real significado. Há a falsa impressão de que a Paliação representa apenas o cuidado nos momentos finais de vida de um indivíduo, quando não há mais o que ser feito em termos de tratamento modificador do curso da doença. Nesse contexto, vem à mente os pacientes oncológicos com doença metastática ou, no máximo, os portadores de demência em estágio avançado.

O conceito de Cuidados Paliativos foi atualizado em 2017 pela OMS e se define como uma “Assistência promovida por uma equipe multidisciplinar, que objetiva a melhoria da qualidade de vida do paciente e de seus familiares, diante de uma doença ou agravo que ameace a continuidade da vida, por meio da prevenção e do alívio do sofrimento, da identificação precoce, avaliação impecável e tratamento da DOR e demais sintomas físicos, sociais, psicológicos e espirituais desde o diagnóstico da doença ao final da vida e estendendo-se ao período de luto”. Dentro da definição, destacam-se pontos importantes que representam alguns princípios dos Cuidados Paliativos:

  • O foco principal do cuidado é voltado para a melhoria da qualidade de vida do paciente e de sua família, através da identificação de suas necessidades e controle adequado dos seus sintomas.
  • A assistência paliativa deve ser realizada preferencialmente por uma equipe multidisciplinar, composta, no mínimo, de profissionais da medicina, enfermagem, psicologia e serviço social.
  • Todo paciente portador de um agravo à saúde que ameace a continuidade de vida, ou seja, de uma doença que não tenha proposta de tratamento curativo, é elegível para Cuidados Paliativos desde o seu diagnóstico e não apenas nas últimas horas de vida.

Na cardiologia, o desafio maior é identificar quais os pacientes que devemos pensar em Cuidados Paliativos. Por definição, deve-se pensar nos portadores de doenças que não são passíveis de cura e têm evolução progressiva, a despeito do tratamento otimizado. Isso inclui todos aqueles com cardiopatia em estágio terminal, independentemente de sua etiologia. No entanto, é importante frisar que um paciente portador de Insuficiência Cardíaca classe funcional III/IV do NYHA tem indicação de receber Cuidados Paliativos em associação ao tratamento cardiológico padrão desde o momento em que seu cardiologista o classifica como tal.

A Agência Nacional de Cuidados Paliativos, em seu último manual publicado em 2012, definiu os critérios para indicação de manejo paliativo nas diversas doenças clínicas crônicas. Na cardiologia, destaca-se a impossibilidade de transplante cardíaco quando este é indicado, além da presença de alguns critérios que foram definidos como de terminalidade cardiológica:

  • sintomas de insuficiência cardíaca ao repouso, idas frequentes à emergência devido aos sintomas cardíacos descompensados;
  • fração de ejeção <20%;
  • uma nova arritmia ou novo IAM;
  • ocorrência de síncope ou AVC em paciente cardiopata.

Mais recentemente, em 2016, a Universidade de Edimburgo publicou uma ferramenta chamada SPICT, que é utilizada para auxiliar na identificação de pacientes sob risco de deterioração através de indicadores gerais de piora da saúde e indicadores clínicos de doença avançada definidos por especialidade, a fim de facilitar a identificação de pacientes elegíveis a Cuidados Paliativos. Para a doença cardiovascular, esta ferramenta inclui:

  • Insuficiência cardíaca classe funcional III/IV ou
  • doença coronariana extensa e intratável, associada com falta de ar ou dor precordial em repouso ou aos mínimos esforços;
  • além de doença vascular periférica grave e intratável.

Na prática, ao se definir quaisquer desses diagnósticos, o cardiologista já pode pensar em instituir Cuidados Paliativos para seu paciente, em associação com a terapia padrão cardiológica.

Em trabalho publicado em 2017 no Journal of the American College of Cardiology sobre o perfil dos pacientes portadores de doença cardiovascular no final de vida, é ressaltado que a otimização dos tratamentos cardiológicos nas últimas décadas gerou diminuição do número de mortes precoces e aumento na expectativa de vida. No entanto, identifica-se maior morbidade, perda de funcionalidade e polifarmácia no final de vida desses pacientes. Outro estudo publicado pelo JAMA em 2019 mostra um levantamento do perfil dos pacientes que foram encaminhados para atendimento específico de Cuidados Paliativos por doença cardiovascular. Neste trabalho, ficou claro que os pacientes foram avaliados em um momento tardio de sua doença, estando cerca de 1/3 acamados (totalmente dependentes) e a maioria com sintomas descompensados, sendo os mais comuns: mal-estar inespecífico, fadiga, anorexia, dispneia e dor. Um dado relevante desse estudo é que a maioria dos pacientes foi encaminhada por um clínico, e não pelo seu cardiologista assistente.

Portanto, é importante que o cardiologista compreenda o que são Cuidados Paliativos e, principalmente, saiba identificar quais são os pacientes que se beneficiam desse tipo de cuidado. Deste modo, os indivíduos cardiopatas terão seu tratamento otimizado e um adequado controle de sintomas, em todos os momentos de sua doença.

Referências:

  1. Warraich HJ, Wolf SP, Mentz RJ, Rogers JG, Samsa G, Kamal AH. Characteristics and Trends Among Patients With Cardiovascular Disease Referred to Palliative Care. JAMA Network Open. 2019;2(5):e192375.
  2. Warraich HJ, Hernandez AF, Allen LA. How Medicine Has Changed the End of Life for Patients With Cardiovascular Disease. JACC 2017; 70 (10).
  1. Tavares de Carvalho R; Afonseca Parsons H, Manual de Cuidados Paliativos ANCP Ampliado e atualizado. Academia Nacional de Cuidados Paliativos, p. 517–530, 2013
  2. Highet G et al. Development and evaluation of the supportive and palliative care indicators tool (SPICT): A mixed-methods study. BMJ Supportive and Palliative Care, v. 4, n. 3, p. 285–290, 2014