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Por que a decisão da ANVISA em proibir os implantes hormonais manipulados é correta?
Escrito por
Erik Trovao
Publicado em
22/10/2024
Na última semana, a ANVISA publicou uma medida cautelar suspendendo por tempo indeterminado a prescrição, manipulação, comercialização, propaganda e aplicação de implantes hormonais manipulados. A medida veio em resposta à solicitação e alerta de 34 sociedades médicas, que já vinham há um tempo preocupadas com o avanço desta prática e os possíveis efeitos adversos decorrestes.
Contribuiu para a decisão o registro de eventos adversos na nova plataforma VIGICOM HORMÔNIOS, que tem por objetivo documentar e prevenir o mau uso dos hormônios. Na ausência de fiscalização e regulamentação de práticas médicas envolvendo o uso indiscriminado de hormônios sem evidências científicas que as corroborem, um canal que reúne os potenciais efeitos adversos destas intervenções foi a única forma encontrada para alertar as entidades regulatórias, como a ANVISA.
E por que esta decisão da ANVISA é mais do que bem-vinda, correta e pertinente?
O uso de implantes hormonais manipulados carece ainda de evidências científicas de qualidade que comprovem a sua eficácia e segurança. Para uso de toda e qualquer medicação é preciso que existam ensaios clínicos randomizados e controlados que comprovem um perfil favorável de risco-benefício. E isso não existe ainda para implantes hormonais manipulados. Estudos antigos, retrospectivos, com metodologia inadequada não podem servir de base para justificar a prescrição.
Além disso, quando alguém propõe uma nova forma de terapia é preciso que esse alguém comprove a segurança. Não se pode exigir que as sociedades médicas preocupadas com uma prática não devidamente estudada comprovem que a prática é deletéria. O ônus da prova é de quem propõe a intervenção. Se estes estudos forem realizados e a prática se comprovar tanto segura quanto eficaz, ninguém irá se opor a ela.
Dito isso, vale ressaltar que a plataforma VIGICOM HORMÔNIOS não tem o objetivo de substituir estudos científicos. Ela não se propõe a provar que os implantes hormonais fazem mal. Ela serve para alertar que efeitos adversos existem, de forma que a prática não é isenta de riscos e, portanto, precisa de estudos adequados para provar que a eficácia supera o risco.
Também não adianta tentar justificar a prática citando outros tratamentos eficazes com implantes subcutâneos.Todo profissional de saúde sabe que a via e a forma de administração importam para o efeito final de determinada medicação, hormonal ou não. Desta forma, não podemos extrapolar dados. Cada medicação precisa de comprovação de eficácia para cada via e forma de administração proposta.
Soma-se a isso o fato de os implantes, muitas vezes, misturarem diversos tipos de hormônios (sem que saibamos a real consequência disto), não serem acompanhados de bula especificando dose e terem um tempo de duração não comprovado e apenas relatado, sem que nem saibamos se este será o tempo real. Não à toa, diante das complicações que chegam não só ao endocrinologista mas também a outras especialidades médicas, é comum o médico ficar no escuro sem saber muito bem como proceder, uma vez que, na maioria das vezes, não se sabe quanto de cada hormônio tem ali presente nem quanto tempo o efeito perdurará.
É preciso também ter cuidado para não cair na falácia de que as mulheres com endometriose ou com sintomas da menopausa ficarão sem tratamento. Isto está longe de ser verdade, pois existem muitas outras formas de tratamento para estas condições, estas sim com eficácia e segurança comprovadas. Não faz sentido trocar uma intervenção médica bem estudada e estabelecida por outra que não tem um único estudo bem realizado.
Portanto, a proibição determinada pela ANVISA vem em boa hora, sendo uma importante vitória para a saúde da população. Nenhuma intervenção médica deve estar livre de regulamentação e farmacovigilância. Farmácias de manipulação não podem ser livres para produzirem o que bem entenderem. Médicos não podem fazer de seus pacientes cobaias baseando-se em experiência pessoal ou achismos. Medicina se faz com ética e responsabilidade.