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Penicilina benzatina pode causar reações adversas graves?
Escrito por
Tiago Bignoto
Publicado em
16/2/2022
A cardite reumática é umas das comorbidades que apresenta maior impacto negativo em pacientes jovens e em fase laborativa. Algumas referências chegam a apontar para 39 milhões de indivíduos acometidos ao redor do mundo e essa incidência se concentra em regiões consideradas subdesenvolvidas, com baixa assistência médica de qualidade e saneamento básico precário. Aplicando-se adequadamente os esquemas profiláticos propostos, a febre reumática poderia, inclusive, ser extinta do mundo. No entanto, uma vez acometido pelo surto agudo da febre reumática, a profilaxia secundária com penicilina benzatina intramuscular é um fator decisivo no controle e para evitar a progressão da cardiopatia.
A adesão a essa terapêutica profilática é heterogênea e isso se deve a diversos fatores, como desconhecimento técnico dos benefícios pela equipe de saúde, falta de oferta do medicamento por questões financeiras e também por medo do paciente tanto de uma reação adversa menos importante como a dor local ou mesmo de quadros mais graves de anafilaxia. Os dados atuais são muito conflitantes acerca da incidência de eventos anafiláticos nesses pacientes e relatos atuais sobre desfechos negativos logo após a aplicação da penicilina levantam discussões sobre a real etiologia, visto muitos casos não apresentarem manifestações clássicas de reação anafilática.
Alguns autores sugerem que a causa da morte pode ser de origem cardiovascular, por descompensação cardiovascular aguda, secundária a uma reação à medicação injetável, embora os mecanismos fisiopatológicos não estejam muito claros. Outros sugerem reações vasovagais mais intensas à dor e ansiedade com evolução para colapso circulatório. Aparentemente, as séries de casos relatados com esses desfechos mostram que dentre os pacientes que evoluíram para óbito sem uma clara manifestação anafilática, a quase totalidade eram portadores de cardiopatias avançadas, trazendo alguma plausibilidade ao mecanismo imaginado. Dessa forma, podemos agrupar determinados pacientes portadores de valvopatia reumática como sendo de alto risco para eventos adversos cardiovasculares após a aplicação de penicilina G Benzatina intramuscular.
Diante dessa possibilidade, um grupo de pesquisadores que vem revisando esses desfechos graves têm sugerido que pacientes que tenham valvopatia avançada e, principalmente, que tenham repercussões hemodinâmicas graves, recebam, ao invés de profilaxia injetável, o medicamento por via oral, o que evitaria o risco de reações secundárias a dor e ao estímulo vasovagal em pacientes sem reserva cardiovascular.
Independentemente a isto, uma abordagem mais humanizada na aplicação da penicilina G benzatina é defendida, com utilização de gelo local e outras técnicas para reduzir a intensidade da dor, visto ser uma queixa frequente em usuários crônicos dessa medicação por essa via.
O que fica após essa avaliação? A profilaxia é fundamental na tentativa de controle da cardiopatia reumática ao redor do mundo. Medidas para reduzir a dor e reações adversas claramente aumentam a aderência e, talvez, em pacientes muito graves e sem uma reserva cardiovascular adequada, o uso da substância por via oral possa ser mais segura, embora exista a dificuldade de aderência dessa via de aplicação.
Nota do editor (Eduardo Lapa) - Esta abordagem citada no último parágrafo não é defendida pelas principais sociedades de cardiologia por ora.
Literatura sugerida: