Paciente com estenose aórtica importante sem sintomas e com indicação de cirurgia não cardíaca: o que fazer?

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Paciente de 62 anos com indicação de realizar colectomia parcial devido a neoplasia de cólon vem para consulta pré-operatória com o cardiologista. Nega qualquer tipo de sintoma. Relata subir 5 lances de escada diariamente. Ao exame físico, sopro sistólico ejetivo rude e com B2 abafada em foco aórtico com irradiação para região cervical. Ecg com sobrecarga de VE e de AE. Solicitado eco que mostra estenose aórtica importante (gradiente médio de 52 mmHg e área valvar estimada em 0,8 cm2). O que fazer em relação à colectomia do paciente? Liberar para a cirurgia? Operar o coração antes?

Resposta: de acordo com os guidelines da American Heart de perioperatório e do guideline europeu de valvopatia este paciente pode ser submetido à colectomia SEM necessidade de intervenção prévia sobre a valva aórtica. Qual o racional? No trabalho original de Goldman publicado na New England em 1977 foi relatado que pacientes com estenose aórtica importante possuíam mortalidade em 30 dias após cirurgias não cardíacas muito mais elevada que pacientes sem a valvopatia (13% x 1,6%, respectivamente). Por este motivo, durante muito tempo se considerou a intervenção valvar antes da cirurgia. Contudo, séries mais recentes mostraram números bastante diferentes. O motivo desta diferença seria as melhorias na monitorização intra e pós-operatória, melhores cuidados anestésicos, etc. Agarwal et al em trabalho de 2013 mostraram que pacientes com estenose aórtica importante que foram submetidos à cirurgia não cardíaca só apresentaram risco aumentado de eventos se tivessem sintomas. Caso a valvopatia fosse sintomática o risco de morte + IAM em 30 dias aumentava de 2,7% para 8,3%. Já se o pcte não tivesse sintomas o risco era igual ao de indivíduos sem valvopatia (4,7% x 2,7% - p não significante de 0,2). Ou seja, se o risco não é maior neste grupo de pacientes, desde que tomados os cuidados citados previamente, não há porque se indicar uma intervenção que normalmente não seria feita se o paciente fosse um paciente ambulatorial sem programação de cirurgia.

Referências:

Goldman L, Caldera DL, Nussbaum SR, et al. Multifactorial index of cardiac risk in noncardiac surgical procedures. N Engl J Med. 1977;297:845–50.

Agarwal S, Rajamanickam A, Bajaj NS, et al. Impact of aortic stenosis on postoperative outcomes after noncardiac surgeries. Circ Cardiovasc Qual Outcomes. 2013;6:193–200.