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Obesidade pode ser benéfica em pacientes com insuficiência cardíaca?
Escrito por
Jefferson Vieira
Publicado em
26/4/2016
Existe uma forte evidência relacionando a obesidade com fatores de risco cardiovasculares como dislipidemia, disglicemia, síndrome metabólica, diabete mellitus, hipertensão arterial e inflamação sistêmica. Considerando que a insuficiência cardíaca (IC) é a via final comum das doenças cardiovasculares, não é surpresa que indivíduos obesos tenham maior propensão para desenvolver IC do que indivíduos não-obesos.
No entanto, diversos estudos epidemiológicos e meta-análises têm demonstrado um "paradoxo da obesidade" na IC, com melhor prognóstico em indivíduos com IMC de 30-35 Kg/m2 em comparação com os grupos de peso normal. Esse evento também é observado em indivíduos muito idosos e naqueles portadores de certas doenças crônicas como neoplasia, DPOC e nefropatia terminal. Em meta-análise recente1 com 1.000 participantes, a perda de ≥ 5% de peso em portadores de IC foi associada à prognóstico desfavorável nos dois anos subsequentes. Esta associação foi ainda mais evidente em pacientes obesos, sugerindo que a indicação indiscriminada de perda de peso nesta população deva ser feita com cautela.
O mecanismo responsável por esta associação epidemiológica inversa é desconhecido. Muitos autores atribuem a uma maior reserva metabólica, argumentando que pacientes com maior IMC tenham também mais força muscular e, portanto, estariam melhor protegidos da caquexia cardíaca. Outras teorias seriam de que a obesidade poderia alterar a história natural da IC através de vias neuro-hormonais pois, de fato, pacientes obesos apresentam níveis mais baixos de BNP do que os não-obesos. Finalmente, alguns autores simplesmente atribuem o paradoxo ao diagnóstico precoce da IC, considerando que indivíduos obesos apresentem sintomas de limitação funcional em uma fase mais inicial da doença.
O paradoxo da obesidade é limitado até um IMC de 35 Kg/m2, com curvas de mortalidade apresentando distribuição em formato de U, ou seja, maior nos extremos de caquexia e obesidade mórbida e menor em pacientes de peso normal, sobrepeso e obesidade moderada. Também parece estar restrito aos primeiros 05 anos de seguimento, em oposição a alta mortalidade no acompanhamento de longo prazo. De fato, a principal crítica ao conceito do paradoxo da obesidade é de que possa haver causalidade reversa devido à perda de peso induzida pela doença. Ou seja, pode não ser o IMC baixo que esteja associado a morte, mas sim a progressão para o estágio terminal da IC que esteja associado ao baixo peso (caquexia cardíaca).
Opinião pessoal:
A IC é uma doença de evolução trágica. Até o presente momento não existem evidências inequívocas de que a perda proposital de peso na IC possa reduzir a mortalidade, mas não podemos desviar a atenção de estratégias de prevenção e de tratamento na doença.
O treinamento físico em pacientes com IC é seguro e tem inúmeros benefícios, estando associado ao alivio sintomático e a melhora no desempenho ventricular.2 O estudo HF-ACTION, com 2.331 portadores de IC submetidos a sessões supervisionadas de exercício aeróbico, demostrou reduções não-significativas nos desfechos de morte e hospitalização em todas as categorias de IMC, embora sem relação com perda ponderal. Assim, a melhor recomendação para o obeso com IC envolve sua incorporação em programas de atividade física, sem buscar especificamente a perda ponderal, exceto talvez naqueles com IMC > 35 Kg/m2. A sibutramina é contraindicada na IC devido a sua associação com o desenvolvimento de cardiomiopatia.26
- Zamora E, Díez-López C, Lupón J, et al. Weight Loss in Obese Patients With Heart Failure. J Am Heart Assoc 2016 Mar 24;5(3). pii: e002468. doi: 10.1161/JAHA.115.002468.
- Lavie CJ, Alpert MA, Ventura HO. Risks and benefits of weight loss in heart failure. Heart Fail Clin 2015;11:125-31.