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Obesidade e cesárea
Escrito por
Dra. Patricia Peras
Publicado em
4/12/2023
Pacientes com obesidade possuem fator de risco para cesárea — sobretudo a de emergência —, que está associada diretamente ao IMC, isto é, quanto maior ele for, maior o risco. Esse procedimento de emergência, principalmente quando realizado intraparto, apresenta maior morbidade quando comparado ao parto cesárea eletivo. Apesar de publicações realizadas pela ACOG (do inglês American College of Obstetricians and Gynecologists) e ERAS (do inglês Enhanced Recovery After Surgery), ainda não há consenso e diretriz específica para diminuição de risco nesse grupo de pacientes. Sabe-se que há um risco aumentado de endometrite pós-cesárea, tromboembolismo, infecção e deiscência de cicatriz em pacientes obesas quando comparadas àquelas dentro da faixa de normalidade do IMC.
Em relação aos riscos, a recomendação para prevenção de aspiração e proteção de via aérea é a mesma: evitar alimentos sólidos durante o trabalho de parto, fazer uso de antiácidos e procinéticos, bem como realizar jejum adequado em cesáreas eletivas. Na prevenção de trombose venosa, pode ser utilizado botas de compressão durante a intervenção cirúrgica e realização de profilaxia medicamentosa após o procedimento. A profilaxia de infecção mantém-se a mesma em relação ao IMC normal, diferindo apenas a dose indicada de cefalosporina pré-operatória, devido à distribuição sérica da droga ser diferente a depender do peso. Há uma recomendação de 3 g de cefazolina em pacientes acima de 120 kg e 2 g em pacientes com menos de 120 kg. Essa indicação é realizada pela SHEA (do inglês Society for Healthcare Epidemiology of America) e pela ASHP (do inglês American Society of Health-System Pharmacists). Já a dose recomendada pela ACOG da cefazolina é 1 g EV em pacientes com menos de 80 kg e entre 2 e 3 g para as pacientes acima deste peso. Há estudos que sugerem que o uso de azitromicina adjuvante em pacientes com alto risco de infecção (rotura de membranas e cesárea realizada durante o parto) reduz de forma significativa as taxas de endometrite, infecção de ferida operatória e outras infecções. Não há consenso, no entanto, para o uso de antibiótico profilático nas primeiras 48 horas, pois há divergência dos resultados que mostram benefício além do uso da cefalosporina e azitromicina.
A cesárea nesse grupo de pacientes requer materiais especiais, como mesas com capacidade acima de 227 kg ou ainda modelos utilizados para pacientes bariátricos, com capacidade acima de 454 kg. É necessária a passagem cuidadosa da paciente para a mesa cirúrgica a fim de prevenir quedas, lesão de partes moles e articulações, o que pode ser realizado com auxílio de elevador hidráulico ou sistema de transferência. Além disso, é importante a realização do posicionamento adequado para diminuir risco de sequela fisiológica, como hipotensão supina (posicionando com deslocamento lateral esquerdo de 15 graus) e disfunção respiratória. Também deve ser realizada proteção de pontos de pressão com coxins em nádegas, lombar e ombros, com a finalidade de evitar necrose, alteração e sequela nervosa ou articular e mesmo lesão de partes moles.
Os sinais vitais devem ser monitorizados de forma adequada, com o uso de aparelhos apropriados, como o manguito para aferição de pressão sanguínea. Caso as medidas não invasivas disponíveis não sejam confiáveis, deve-se considerar a monitorização invasiva da pressão arterial.
Alguns retratores podem ser utilizados com o intuito de facilitar a exposição cirúrgica, como adesivo removível ou esparadrapo no panículo, inserido antes do início do procedimento. Isso pode evitar pontos de pressão adicionais causados por retração manual. A inserção do esparadrapo deve ser feita de modo cuidadoso a fim de evitar comprometimento cardiopulmonar ao fixá-lo no tórax. Outros dispositivos podem ser utilizados como pinças e materiais longos.
A avaliação da distribuição de gordura corporal é importante para o planejamento cirúrgico, por exemplo, por meio da análise da incisão na parede abdominal. Uma incisão bem planejada pode auxiliar na exposição adequada de tecidos, bem como facilitar na extração fetal e controle de dor pós-operatória. Devido à distorção causada pelo tecido adiposo da parede abdominal, deve ser levada em consideração a alteração dos marcos anatômicos. A utilização de estruturas ósseas como marco (sínfise púbica e crista ilíaca) pode ser útil. Já a incisão vertical não se mostrou benéfica nessas pacientes, mas pode ser considerada, dependendo da distribuição adiposa. O retrator/esparadrapo pode ser útil, inclusive, para facilitar a incisão Pfannenstiel. No pós-operatório, é importante orientar sobre os cuidados com a ferida, uma vez que abdome em avental pode dificultar o processo de cicatrização e facilitar ambiente com risco de infecção.
Em incisões verticais, o fechamento pode ser realizado por meio de diversas técnicas a fim de evitar risco de deiscência e hérnia. Independentemente da técnica escolhida (clássica de Smead-Jones ou abordagem alternativa), o objetivo é aproximar a fáscia sem, no entanto, executar estrangulamento do tecido, evitando, assim, a necrose. Podem ser utilizados fios inabsorvíveis ou de absorção lenta em suturas contínuas. Ocasionalmente, em suturas contínuas, pode ser incorporada uma pequena quantidade de gordura subcutânea, reto abdominal, fáscia transversal e peritônio. A formação da hérnia geralmente ocorre quando não é respeitado o comprimento total da sutura, que deve ser quatro vezes o tamanho da incisão.
Nas suturas de incisões transversais, não existe uma técnica considerada ideal e elas são, comumente, realizadas com fio de absorção lenta ou mesmo fios monofilamentares, como polidioxanona.
Quando o subcutâneo possui uma espessura acima de 2 cm, é recomendado que ele seja fechado, podendo ser realizado de forma contínua ou separada. Não é recomendado, no entanto, o uso rotineiro de drenos, pois não há claro benefício nessa técnica.
No pós-operatório, é importante a orientação e monitorização dos sinais vitais, bem como o cuidado ativo da paciente. Recomendar deambulação precoce e ingesta hídrica, para manter a euvolemia. Pode ser recomendada fisioterapia respiratória com o intuito de diminuir a atelectasia. A realização de uma analgesia adequada é importante para o cuidado e manejo no pós-operatório.
Os cuidados com a ferida operatória devem ser realizados com o uso de toalhas limpas nas incisões que fiquem debaixo do panículo adiposo, podendo melhorar a circulação de ar. Orientar paciente ou mesmo familiar que examine diariamente a ferida operatória e, após 2 ou 3 dias da alta, procure o acompanhamento de um profissional de saúde de forma regular.
REFERÊNCIAS:
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