O uso de corticoides aumenta o risco cardiovascular do seu paciente?

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O uso de corticoides aumenta o risco cardiovascular do seu paciente?

O uso de corticoides pode estar associado a aumento de risco cardiovascular? Em um estudo apresentado no encontro anual do American College of Rheumatology, constatou-se que, pra cada mês adicional depois de 6 meses de uso dessas medicações em pacientes de meia idade com artrite reumatóide, havia um aumento de um evento adverso maior cardíaco em 14% nos 6 meses seguintes, independente do seu risco cardiovascular basal. Um outro estudo apresentado pela Medicare sugeriu uma relação direta de eventos adversos conforme o aumento da dose utilizada. Através de um modelo criado pelos dados obtidos do estudo, em um período de um ano, 1.1% dos pacientes que não tomariam corticoides iriam apresentar um acidente vascular cerebral ou infarto do miocárdio, comparado com 1.4% na dose de 5mg/dia, ou 1.7% daqueles usando de 5-10mg/dia, e 1.9% daqueles na dose de 10mg/dia. O número necessário para causar um evento adverso foi de 400 pra dose de 5mg/dia, 192 para dose de 5-10mg/dia, e de 137 para dose de 10mg/dia.

Apesar de já existirem estudos anteriores que sugeriam tal relação, muitos dos pacientes incluídos já apresentavam fatores de riscos tradicionais (dislipidemia, hipertensão, diabetes ou tabagismo) no início dos estudos, ou seja, já eram pacientes de mais alto risco cardiovascular, tornando confusa qualquer conclusão sobre o impacto real dessas medicações para os pacientes reumatológicos. É importante considerar algumas limitações dos estudos apresentados: o caráter observacional, a ausência de descrição de atividade da doença reumatológica, ou se havia uso concomitante de hidroxicloroquina, entre outros.

No entanto, considerando os estudos antigos e atuais e sabendo que até metade dos pacientes com artrite reumatoide ainda fazem corticoterapia de longa duração, é de extrema importância que se tomem algumas medidas para evitar os eventos cardiovasculares acima citados, diminuindo possivelmente morbidade e mortalidade nesse grupo de pacientes.

Vamos aproveitar então pra revisar os principais efeitos colaterais dos corticoides no sistema cardiovascular

1- Retenção hídrica e hipertensão : Altas doses de corticoides podem promover retenção hídrica, o que é um problema para populações especiais como os renais crônicos e portadores de insuficiência cardíaca. A hipertensão é um evento adverso bem conhecido, tendo sido observada em até 20% dos pacientes com síndrome de Cushing iatrogênica. No entanto, está relacionada com uso de doses mais altas de corticoides (geralmente acima de 10mg/dia).

2- Doença aterosclerótica precoce : Como vimos acima, o uso dos corticoides tem sido associado a aumento das taxas de infarto, acidente vascular cerebral e insuficiência cardíaca, apesar de resultados conflitantes entre os estudos. Como exemplo, um estudo de base populacional com mais de 150.000 pacientes demonstrou que os pacientes que recebiam doses de corticoides acima de 7.5mg/dia tinham 2.5 vezes mais chance de um evento cardiovascular adverso. Em outra revisão sistemática, não se encontrou diferença de eventos naqueles que tomavam a dose menor que 10mg/dia, mas ainda com tendência a aumento de eventos cardiovasculares.

3- Arritmias: Uma associação do uso de corticoide com aumento do risco de desenvolvimento de fibrilação atria e flutter tem sido reportada (com um odds ratio ajustado de 1.9). Morte súbita tem sido descrita nos pacientes que fazem pulsoterapia, mas existe o fator de confundimento de que esses pacientes naturalmente já são mais graves, mas ainda assim é uma população que deve ser melhor avaliada e acompanhada, principalmente se tiverem doença cardíaca de base.

4- Trombose venosa profunda e embolia pulmonar: Dados observacionais limitados sugerem que o uso dos corticoides pode estar associado ao aumento do risco de embolia pulmonar e eventos trombóticos venosos ( Hazard ratio de 3.33 )

5- Dislipidemia: Aqui os dados também são conflitantes, com relatos inclusive de efeito benéfico no painel lipídico dos pacientes ( a saber, na redução do LDL ). De forma mais consistente, até a dose de 10mg/dia, não parece haver alteração significativa nos níveis de LDL ou VLDL.

O que fazer então pra prevenção de eventos cardiovasculares adversos ?

1- Usar a dose mais baixa de corticoides pelo menor período de tempo necessário pra atingir as metas terapêuticas. Avaliar uso de poupadores de corticoides ou as novas terapias, como imunobiológicos.

2-Avaliação, tratamento e monitorização das comorbidades já existentes e que podem aumentar o risco de eventos cardiovasculares

3- Monitorização dos pacientes sob tratamento para os eventos adversos e que podem se beneficiar com alguma intervenção adicional.

4- Avaliar o risco de outras complicações comuns:

  • Diabetes
  • Hipertensão mal controlada
  • Insuficiência cardíaca e edema periférico
  • Catarata ou glaucoma
  • Doença ulcerosa péptica
  • Infecção
  • Osteoporose

5- Imunização

6- Prevenção de doença oportunística

7- Avaliação do cardiologista anualmente para pacientes com doenças reumatológicas mais severas (a melhor forma de screening/tratamento de isquemia silenciosa para estes pacientes carecem de estudos que embasem uma estratégia bem definida, devendo-se tomar a decisão de forma individualizada). -> nossa sugestão é uma tomografia com escore de cálcio nos pacientes com escores de risco cardiovascular moderado. Um exame com escore zero pode evitar estratégias de estratificação mais dispendiosas ou invasivas.

OBS: foi usado a prednisona como base para relato das doses dos diferentes estudos.