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O que mudou na nova diretriz de perioperatório em relação à classificação do risco cirúrgico do paciente?
Escrito por
Eduardo Lapa
Publicado em
9/11/2017
Já falamos bastante sobre escores para avaliar o risco perioperatório de um determinado paciente antes de uma cirurgia não cardíaca. Aqui está um exemplo de post recente. Há pouco tempo saiu a nova diretriz brasileira de perioperatório e entre outras mudanças houve alteração na forma de se definir o risco cirúrgico do paciente usando-se o escore de Lee.O que a diretriz passada falava: basta ver o quadro que usamos na primeira edição do nosso Manual de Cardiologia Cardiopapers disponível neste post. Resumindo, considerava-se de alto risco, de acordo com o Lee, apenas pacientes que possuíam angina ou insuficiência cardíaca limitante, presente aos pequenos esforços ou ao repouso. Ou seja, pela diretriz o risco de um paciente com 2 fatores de Lee era o mesmo que o paciente que tinha 6, por exemplo. Ambos seriam classificados como risco moderado. Isto definitivamente não parecia fazer muito sentido. Já a diretriz atual seguiu a recomendação adotada por boa parte das fontes internacionais. Antes de ver como ficou, vamos lembrar alguns detalhes:
Fatores de risco de Lee: 6 ao total - DM insulino-dependente, coronariopatia, insuficiência cardíaca, AVC prévio, Cr > 2 e tipo de intervenção (pontua se intervenção intra-abdominal, intraperitoneal ou revascularização arterial supra inguinal excluindo-se carótidas).
Se o paciente não tiver fatores de Lee - risco de 0,4% de eventos cardíacos no perioperatório
Se 1 fator - risco de 0,9%
Se 2 fatores - risco de 7%
Se 3 ou mais fatores - risco de 11%
OK. E como ficou a classificação atual?
Resumindo:
0 ou 1 fator de Lee = baixo risco
2 fatores de Lee = risco moderado
3 ou mais fatores de risco - alto risco
OK. Mas o que fazer com o paciente de alto risco? Tenho que adiar o procedimento cirúrgico eletivo de forma rotineira? Obviamente que não. Tudo depende de que fatores levaram o paciente a ser considerado como de alto risco e a que procedimento cirúrgico ele irá se submeter.
Exemplo 1: mulher de 52 anos vem para parecer para cirurgia plástica (abdominoplastia + mamoplastia). Relata angina típica e dispneia para subir 1 lance de escadas. É HAS e DM insulino-dependente. Na investigação complementar, feito eco que mostra FE de 42%, teste ergométrico de alto risco e cate com lesão de tronco de coronária esquerda.
Exemplo 2: homem de 65 anos, diabético insulino-dependente de longa data e dialítico vai ser submetido a uma colectomia esquerda devido à CA de cólon. Pcte é assintomático do ponto de vista cardiovascular e possui boa capacidade funcional.
Ambos os pacientes apresentam 3 fatores de risco de Lee, sendo considerados como de alto risco. Mas, no primeiro caso há coronariopatia importante tratável por intervenção e a paciente será submetida a uma cirurgia que pode muito bem esperar meses para ser realizada ou mesmo cancelada em definitivo caso se julgue necessário. Assim, obviamente a cirurgia não cardíaca tende a ser cancelada para antes ser compensada a parte cardíaca. Já no segundo caso temos um paciente considerado de alto risco por comorbidades que são tratadas clinicamente (DM e DRC) e que precisa ser submetido a uma cirurgia o quanto antes com a finalidade de curar uma neoplasia maligna. Ou seja, neste segundo caso não há porque postergar a cirurgia não cardíaca.
Resumindo, quando afirmamos que um paciente é de alto risco cirúrgico estamos determinando que há risco não desprezível de ele ter intercorrências cardiovasculares no intra ou pós-operatório. Isso não significa dizer que uma determinada conduta específica (ex: teste para isquemia, postergar cirurgia eletiva, etc) terá que ser seguida. Cada caso é diferente e precisa ser encarado de forma individualizada.
Referência: Gualandro DM, Yu PC, Caramelli B, Marques AC, Calderaro D, Luciana S. Fornari LS et al. 3ª Diretriz de Avaliação Cardiovascular Perioperatória da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Arq Bras Cardiol 2017; 109(3Supl.1):1-104