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Ele é mais poderoso do que você pensa - o efeito placebo
Escrito por
Remo Holanda
Publicado em
4/1/2023
Após explicar os riscos e benefícios do procedimento, seu paciente concorda então em se submeter a uma cineangiocoronariografia (vulgo cateterismo). Ele é um homem de 60 anos com dor anginosa típica aos esforços a despeito do tratamento clínico e tem um teste ergométrico positivo com alta carga de isquemia. Logicamente, você espera que haja umas duas ou três estenoses graves a serem tratadas. Eis que, após a injeção de contraste, não existem lesões obstrutivas graves, de tal modo que não será necessário procedimento de revascularização. Então, na consulta de retorno, seu paciente fala “Doutor, depois do cateterismo, me senti bem melhor. A dor desapareceu!”. Quem de nós nunca se deparou com uma situação destas? Mas, afinal, porque a dor anginosa iria melhorar mesmo sem que tivesse havido uma intervenção coronária? Qual é a lógica disso? Estamos diante de um dos mais poderosos efeitos da mente humana, o da autossugestão, e um de seus desdobramentos: o efeito placebo.
O efeito placebo consiste em um mecanismo vinculado à crença do paciente no efeito de uma determinada terapia. Ou seja, ao se falar a um indivíduo “você vai melhorar”, o simples fato de a mente acreditar naquilo leva a uma melhora independente do efeito farmacológico do tratamento. Dessa maneira, muitos pacientes podem “responder” a determinados medicamentos ainda que estes sejam inúteis, como se fosse “uma pílula com farinha”. O efeito placebo também tem uma versão maléfica, quando ocorrem eventos adversos de um medicamento simplesmente pelo fato de o paciente tomar conhecimento daquilo (a bem conhecida situação de o paciente sentir tudo o que ele leu na bula). Nesse caso, chamamos de efeito nocebo.
Diante disso, podemos então dizer que o efeito placebo deva influenciar somente percepções, como dor, dispneia e outros sintomas, mas não desfechos mais objetivos, como morte ou infarto, correto? Grande engano! O efeito placebo pode inclusive resultar em redução de mortalidade, de tão poderosa que a autossugestão da mente humana é. Este fato, aliás, é utilizado no dia a dia por nós médicos ao encorajar ou dar confiança a um paciente para que ele enfrente o tratamento. Boa parte do benefício da relação médico-paciente, aliás, vem disso.
E qual é a importância do efeito placebo na medicina baseada em evidência? Quando avaliamos um artigo científico, temos de ter o cuidado de saber se os efeitos observados de determinada intervenção são devido a um efeito farmacológico/fisiológico, ou se não passam de autossugestão mental. O fato de o paciente saber que tratamento está recebendo pode influenciar sua percepção sobre os efeitos benéficos ou maléficos. Por conta disso, o ideal é que, ao se comparar um medicamento novo contra não tratamento, ambos os grupos randomizados recebam algum comprimido. Metade dos pacientes vai receber o remédio com o princípio ativo “de verdade”, e a outra metade receberá o placebo, ou seja, um medicamento idêntico em forma, tamanho, cor e gosto, mas que não tem efeito algum. Com isso, ao se comparar ambos os grupos, é possível se separar o efeito “real” do tratamento da autossugestão mental do paciente. Ainda que seja desafiador por motivos éticos, é também possível se fazer um estudo mascarado por placebo com intervenções (veja o curioso caso do estudo ORBITA: https://d3gjbiomfzjjxw.cloudfront.net/angioplastia-nao-serve-de-nada-em-pacientes-com-coronariopatia-cronica/).
Resumindo, jamais ignore o efeito placebo como potencial explicação para efeitos percebidos de um tratamento. Afinal de contas, os ensaios clínicos randomizados duplo-cegos e controlados por placebo são uma forma de evitar que muita gente prescreva placebos por aí falando para o seu paciente que se trata de algo útil.
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