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Nutrição individualizada pode alterar desfechos em pacientes com IC?
Escrito por
Eduardo Lapa
Publicado em
13/5/2021
É bem estabelecido que a desnutrição é um fator de risco de pior prognóstico de pacientes com insuficiência cardíaca (IC). A desnutrição varia desde perda de apetite, de peso, de massa muscular com sarcopenia até a caquexia grave. A definição de caquexia engloba a redução do peso > 6% em um período de 6 a 12 meses associado a presença de inflamação. Os pacientes com IC que estão internados apresentam um alto o risco de piora do status nutricional e não existem evidências robustas sobre o impacto de um suporte nutricional para esses pacientes.
Em 2019 foi publicado o EFFORT Trial, um estudo randomizado que avaliou o suporte nutricional individualizado em pacientes hospitalizados sob risco de desnutrição. Recentemente, uma subanálise desse estudo com enfoque em pacientes com IC foi publicado. Nessa subanálise, 645 pacientes foram randomizados para receber a alimentação usual do hospital (grupo controle, n=321) ou uma alimentação individualizada com objetivos diários de proteínas e calorias (grupo intervenção, n=324). A inclusão foi baseada na ferramenta Nutritional Risk Screening 2002 (NRS) que apresenta 2 componentes: triagem para risco nutricional (perda de peso, índice de massa corporal IMC, ingestão de alimentos) e gravidade da doença, variando de 0 (necessidades nutricionais normais) a leve, moderado e grave.
No estudo, o objetivo proteico diário variou de 0,8 g/Kg para 1,5 g/Kg e o plano de alimentação foi realizado por uma equipe multidisciplinar e incluiu alimentos da preferência dos pacientes com adição de suplementos nutricionais. A avaliação nutricional era realizada a cada 24 – 48 horas e no momento da alta o paciente também recebia um aconselhamento nutricional. O grupo controle se alimentava conforme o desejo do paciente, sem recomendação nutricional ou restrição salina adicional.
A maioria dos pacientes incluídos apresentavam mais de 70 anos de idade e possuíam um escore NRS elevado > 3. Um típico paciente com escore 3 seria aquele com idade > 70 anos, perda de peso leve ou ingesta alimentar baixa e que possui IC e outra comorbidade associada (p.ex. diabetes). Já um paciente NRS > 4 apresenta uma perda de peso > 5% em 2 meses ou IMC entre 18,5 – 20,5 Kg/m2 e ingesta alimentar 25 – 50% menor que o normal adicionado a uma doença grave (p.ex. AVC, leucemia, pneumonia severa).
Os resultados desse estudo demonstraram que aqueles pacientes sob maior risco nutricional apresentaram uma maior taxa de mortalidade. Pacientes com NRS> 4 apresentaram uma taxa de mortalidade 65% maior em 180 dias. Dentre as variáveis que avaliam o risco nutricional, a baixa ingestão alimentar esteve fortemente associada com a mortalidade. Além disso, o grupo intervenção apresentou um consumo energético superior ao grupo controle (1.419 vs 1190 Kcal) e também maior quantidade de proteínas. Em 30 dias, a mortalidade do grupo intervenção foi menor quando comparada ao grupo controle (8,4% vs 14,8%). O grupo que obteve maior benefício do suporte nutricional foi aquele sob maios risco de desnutrição (NRS > 4).
Esse estudo adiciona mais um elemento no cuidado do paciente com IC que poderia ter um impacto em desfechos duros. O desafio está na seleção do paciente que se encontra sob maior risco de desnutrição e por isso apresenta um benefício maior no suporte nutricional. Essa é mais uma evidência da complexidade da IC e da necessidade de um seguimento com uma equipe multidisciplinar com objetivo de personalizar as condutas frente a essa condição e de melhorar seus resultados.
Referência
Lara Hersberger, Anna Dietz, Helene Bürgler, Annika Bargetzi, Laura Bargetzi, Nina Kägi-Braun, Pascal Tribolet, Filomena Gomes, Claus Hoess, Vojtech Pavlicek, Stefan Bilz, Sarah Sigrist, Michael Brändle, Christoph Henzen, Robert Thomann, Jonas Rutishauser, Drahomir Aujesky, Nicolas Rodondi, Jacques Donzé, Zeno Stanga, Beat Mueller, Philipp Schuetz. Individualized Nutritional Support for Hospitalized Patients With Chronic Heart Failure, Journal of the American College of Cardiology, Volume 77, Issue 18, 2021,Pages 2307-2319.
Food and Pharma: Linking 2 Silos of Heart Failure Research and Therapy∗. Sheldon H. Gottlieb, MD J Am Coll Cardiol. 2021 May, 77 (18) 2320–2322.