Risco de doenças cardiovasculares em usuários de anabolizantes para fins estéticos / performance

Compartilhe

Esteroides androgênicos anabolizantes (EAA) são drogas que melhoram o desempenho e efetivamente aumentam a massa e a força muscular esquelética. A curto prazo, o uso de EAA oferece uma vantagem nos esportes e, portanto, é proibido neste contexto. A longo prazo, o uso de EAA está associado ao aumento da mortalidade em estudos de coorte, com relatos de casos atribuindo algumas mortes a doenças cardiovasculares. Receptores de andrógenos em miócitos cardíacos foram identificados como potencialmente levando à hipertrofia miocárdica por ativação. A eritrocitose aumentada, um fator de risco para distúrbios tromboembólicos, também foi descrita como relacionada à exposição a altas doses de testosterona. Além disso, EAA estão associados a vários outros marcadores de doenças cardiovasculares, incluindo uma proporção prejudicial de lipoproteínas sanguíneas,
efeitos pró-coagulantes, hipertensão, aterosclerose e hipertrofia e disfunção ventricular esquerda.

Um estudo de coorte dinamarquês, publicado neste mês de fevereiro na Circulation, analisou os efeitos cardiovasculares do uso de esteroides anabolizantes em 1.189 homens, comparando-os com 59.450 controles pareados por idade e sexo. O estudo incluiu homens identificados em um programa antidoping para uso de EAA em academias dinamarquesas entre 2006 e 2018 que foram pareados com controles da população dinamarquesa em geral. A coorte foi acompanhada até 30 de junho de 2023. O estudo investigou a incidência de infarto agudo do miocárdio, intervenção coronária percutânea ou enxerto de bypass da artéria coronária, tromboembolia venosa, acidente vascular cerebral isquêmico, arritmia, cardiomiopatia, insuficiência cardíaca e parada cardíaca durante o período de acompanhamento.

Os principais achados demonstraram um aumento significativo no risco de várias doenças cardiovasculares em usuários de EAA:

  • Infarto Agudo do Miocárdio: aumento de 3 vezes no risco (HR ajustado: 3,00 [IC 95%: 1,67–5,39]).
  • Intervenções Coronárias (angioplastia ou cirurgia de revascularização): aumento de 2,95 vezes no risco (HR ajustado: 2,95 [IC 95%: 1,68–5,18]).
  • Tromboembolismo Venoso: aumento de 2,42 vezes no risco (HR ajustado: 2,42 [IC 95%: 1,54–3,80]).
  • Arritmias (incluindo fibrilação atrial): aumento de 2,26 vezes no risco (HR ajustado: 2,26 [IC 95%: 1,53–3,32]).
  • Cardiomiopatia: aumento expressivo de 8,90 vezes no risco (HR ajustado: 8,90 [IC 95%: 4,99–15,88]).
  • Insuficiência Cardíaca: aumento de 3,63 vezes no risco (HR ajustado: 3,63 [IC 95%: 2,01–6,55]).

Os casos de acidente vascular cerebral isquêmico e parada cardíaca foram insuficientes para uma análise estatística robusta.

O estudo ainda discute diversos mecanismos pelos quais o uso de esteroides anabolizantes pode levar ao aumento do risco de doenças cardiovasculares:

  • Aterosclerose Prematura: O uso de EAA está associado à hipertensão e dislipidemia, que contribuem para o desenvolvimento precoce de aterosclerose. Estudos anteriores demonstraram um aumento na carga de placas coronarianas, calcificação arterial e severidade da estenose em usuários de EAA. Além disso, o uso prolongado está relacionado à necessidade precoce de intervenções coronárias.
  • Efeitos Trombóticos: O uso de anabolizantes pode induzir anormalidades na agregação plaquetária e aumento da eritropoiese, elevando o risco de trombose arterial e venosa. A presença de um estado pró-coagulante pode explicar o aumento significativo de eventos tromboembólicos.
  • Alterações Estruturais do Miocárdio: O EAA estimula receptores androgênicos nos miócitos cardíacos, levando à hipertrofia ventricular. Estudos com ecocardiografia e ressonância magnética mostram aumento da massa ventricular, redução da fração de ejeção e disfunção diastólica, fatores que predispõem ao desenvolvimento de cardiomiopatia e insuficiência cardíaca.
  • Potencial Arritmogênico: A hipertrofia miocárdica e a fibrose cardíaca decorrentes do uso de EAA podem aumentar a predisposição a arritmias, incluindo fibrilação atrial e flutter. Além disso, o uso concomitante de outras substâncias estimulantes pode amplificar esse risco.
  • Risco Cardiovascular Progressivo: Os eventos cardiovasculares em usuários de EAA ocorrem mais precocemente do que na população geral, sugerindo que o efeito nocivo dos esteroides se acumula ao longo do tempo. Mesmo após a interrupção do uso, algumas alterações estruturais e funcionais podem persistir.

O estudo tem limitações que mecerem ser destacadas, como a sua natureza observacional. Também não havia informações sobre a duração ou dosagem do uso de EAA. Além disso, a natureza ilegal do uso de EAA indica um certo comportamento de estilo de vida arriscado, incluindo fatores de confusão não medidos, como consumo de álcool, tabagismo e abuso de outras drogas, incluindo combinações de várias classes de drogas para melhorar o desempenho. Por fim, os usuários de EAA podem ter um estilo de vida mais ativo fisicamente em comparação com controles selecionados aleatoriamente na população de base. Isso pode levar a uma subestimação dos efeitos adversos dos esteroides.

Apesar das limitações apontadas, não há como negar a relevância desse estudo e sua contribuição para uma melhor compreensão dos riscos associados ao uso de anabolizantes. É importante também ressaltar que, por questões éticas, não seria possível realizar um estudo de intervenção envolvendo o uso de EAA por pacientes sem hipogonadismo.

Referência:

Windfeld-Mathiasen J, Heerfordt IM, Dalhoff KP, Trærup Andersen J, Andersen MA, Johansson KS, Biering-Sørensen T, Olsen FJ, Horwitz H. Cardiovascular Disease in Anabolic Androgenic Steroid Users. Circulation. 2025 Feb 13. doi: 10.1161/CIRCULATIONAHA.124.071117. Epub ahead of print. PMID: 39945117.