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Novidades sobre NOACs em pacientes com trombo ventricular
Escrito por
Jefferson Vieira
Publicado em
1/4/2021
Como já havíamos discutido previamente (aqui e aqui), não existem ensaios clínicos randomizados de grande porte sobre os benefícios de anticoagulação oral em pacientes com trombo de ventrículo esquerdo (VE). As evidências para uso de novos anticoagulantes orais (NOACs) nesse cenário é ainda mais escassa. Recentemente, um grupo do departamento de cardiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Alexandria, no Egito, publicou no JACC uma “comunicação rápida” sobre um estudo local que comparou varfarina contra rivaroxabana nesses pacientes.
Comunicações rápidas relatam descobertas que devem ser publicadas rapidamente e possuem um tamanho menor do que um artigo de pesquisa original. Os achados da comunicação rápida são importantes para um campo de estudo específico e podem perder relevância se publicados após um longo período de tempo. Obviamente, pode haver uma linha cinzenta entre a comunicação rápida e o artigo original, sendo que a comunicação publicada em um jornal de alto impacto (como o JACC) pode ter até mais relevância que um artigo original em um jornal menor.
O presente estudo egípcio foi um ensaio clínico prospectivo, aberto, multicêntrico e randomizado, que incluiu pacientes com trombo de VE recente. Os critérios de exclusão foram depuração da creatinina <50 ml/min, história de fibrilação atrial, trombose venosa profunda e/ou embolia pulmonar e uso prévio de anticoagulação oral por qualquer outro motivo. Os pacientes elegíveis receberam aleatoriamente varfarina (INR 2-3) ou rivaroxabana 20 mg/d. A rivaroxabana foi um dos primeiros NOACs a ser estudado em grandes trials de fase 3. O trombo foi acompanhado por ecocardiografia transtorácica em 1, 3 e 6 meses. No grupo da varfarina, os pacientes foram tratados com enoxaparina 1 mg/kg 2x/d até atingir o INR alvo.
Setenta e nove pacientes foram submetidos à randomização em 5 centros no Egito e na Bulgária. De acordo com os autores, os 2 grupos apresentaram características basais e demográficas semelhantes (embora o detalhamento não tenha sido fornecido na publicação). A idade média foi de 50 anos, 43% dos pacientes eram mulheres, 53% tinham hipertensão, 53% tinham diabetes, 78% tinham cardiopatia isquêmica e a fração de ejeção média do VE foi de 36%, enquanto o tamanho médio do trombo foi 16 x 11 mm. Um total de 53% dos pacientes estavam sob terapia de dupla antiagregação plaquetária (DAPT), e o tempo na faixa terapêutica para o grupo varfarina foi de 82%.
A resolução completa do trombo ocorreu em 72%, 77%, 87% dos 39 pacientes no grupo da rivaroxabana e em 47%, 67% e 80% dos 40 pacientes no grupo da varfarina em 1, 3 e 6 meses respectivamente. Apesar de parecer haver uma maior resolução do trombo no grupo da rivaroxabana, especialmente no 1o mês, nenhuma dessas diferenças foi considerada estatisticamente significativa após correção das múltiplas comparações de Bonferroni. Entretanto, a equação de estimativa generalizada (Generalized Estimating Equations, uma técnica capaz de estimar a correlação intra-indivíduos) mostrou que em 1 mês, a razão de chances de resolução do trombo foi significativamente maior no grupo rivaroxabana do que no grupo varfarina (odds ratio 2,8; p = 0,03). Não houve nenhum acidente vascular cerebral ou evento embólico sistêmico no grupo que recebeu rivaroxaban, enquanto 2 (5%) e 4 (10%) pacientes apresentaram esses respectivos desfechos no grupo varfarina. Sangramento maior ocorreu em 2 pacientes (5%) no grupo rivaroxabana e em 6 pacientes (15%) no grupo varfarina. A maioria dos trabalhos com NOACs mostra que estes causam menos sangramentos que a varfarina. Os autores ressaltaram que 75% dos eventos hemorrágicos ocorreram em pacientes sob DAPT.
Este estudo tem evidentes limitações metodológicas, como a escolha do ecocardiograma para avaliação do trombo, o não-cegamento e sobretudo o número de pacientes. Além disso, assim como no levantamento recente do Brigham and Women’s Hospital (discutido aqui), a incidência de eventos tromboembólicos foi muito pequena (reforçando a necessidade de individualizarmos cuidadosamente a relação de risco/benefício na decisão de anticoagular esses pacientes).
Em conclusão, esse pequeno estudo egípcio sugere que a terapia com rivaroxabana para trombo no VE seja não inferior à terapia com varfarina, com potencial resolubilidade mais rápida do trombo.
Como seria o comportamento usando outros NOACs? Esperemos mais estudos sobre o assunto.