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Como avaliar a mulher com insuficiência ovariana prematura
Escrito por
Erik Trovao
Publicado em
30/6/2022
A insuficiência ovariana prematura (IOP) ocorre por aceleração da perda de folículos primordiais, levando à parada dos ciclos menstruais em mulheres abaixo de 40 anos de idade. As causas são múltiplas: mutações genéticas, alterações cromossômicas, ooforite auto-imune e iatrogenia. No entanto, a maioria dos casos é ainda classificada como idiopática, pois nem sempre o teste necessário está disponível.
O diagnóstico é confirmado após a detecção laboratorial de um hipogonadismo hipergonadotrófico, caracterizado por níveis elevados de FSH. O exato ponto de corte ainda não é consenso. Alguns autores defendem níveis acima de 25, enquanto outros falam em um ponto de corte de 30.
No entanto, é preciso confirmar a elevação do FSH em uma nova dosagem realizada após cerca de 4 semanas. Se confirmado, o diagnóstico de IOP está fechado independente de qualquer outra alteração laboratorial.
A alteração cromossômica mais comumente envolvida com a IOP é a síndrome de Turner. Mesmo mulheres que menstruavam normalmente e que até mesmo gestaram podem ter a síndrome, especialmente em casos de mosaicismo. Portanto, a realização do cariótipo está sempre indicada.
Outra causa que deve sempre ser investigada é o X frágil, decorrente da mutação do gene FMR1 (mutação genética mais comumente associada à IOP). Homens costumam ter a mutação completa deste gene, levando a um quadro de retardo mental. Já mulheres costumam ter a pré-mutação, que se expressa com insuficiência ovariana, sem comprometimento cognitivo. A suspeita desta síndrome aumenta quando a mulher com IOP tem parentes masculinos com déficit mental.
A terceira causa que merece atenção é a ooforite auto-imune. No entanto, a confirmação diagnóstica não é simples. A dosagem de anticorpos anti-ovário não tem boa acurácia. Já a dosagem do anti-21hidroxilase é considerado o melhor teste. Não à toa este é o mesmo anticorpo associado à doença de Addison. Afinal, ambas alterações podem vir associadas num contexto de síndrome poliglandular auto-imune. O problema é que a dosagem deste anticorpo não está facilmente disponível na prática clínica.
Sendo assim, um achado presuntivo de ooforite auto-imune é o anti-peroxidase positivo, embora não dê para confirmar a auto-imunidade ovariana, já que tireoidite de Hashimoto é uma doença comum e poderia vir facilmente associada a outras causas de IOP. No entanto, quanto mais doenças auto-imunes tiver a paciente, maior a chance deste diagnóstico etiológico.
Uma causa que vem aumentando nos últimos anos é a iatrogênica devido aos avanços no tratamento do câncer. A quimioterapia e a radioterapia em mulheres jovens com câncer, cuja sobrevida têm aumentado, têm sido cada vez mais associadas à IOP. Inclusive, mulheres candidatas a estas terapias devem ser informadas sobre a possibilidade de falência ovariana. Idealmente, toda mulher em idade fértil que fosse ser submetida a quimioterapia ou radioterapia pélvica deveria congelar seus óvulos antes do procedimento.
Além dos exames necessários para a avaliação etiológica da insuficiência ovariana prematura, é preciso estar atento para a avaliação das complicações associadas ao hipoestrogenismo precoce: aceleração da perda de massa óssea e aumento do risco cardiovascular. Mulheres com IOP, inclusive, tem maior mortalidade. Portanto, deve-se sempre solicitar uma densitometria óssea antes do início da reposição estrogênica, assim como o perfil metabólico.
O controle de fatores de risco cardiovasculares modificáveis e a prevenção da perda de massa óssea, com dieta adequada, estímulo à atividade física, controle do peso e combate ao tabagismo deve fazer parte da conduta adotada e do seguimento. Já há também estudo associando a IOP a uma maior chance de quadro demencial no futuro.
Também é importante informar às pacientes que a IOP, diferente da menopausa fisiológica em idade habitual, não está associada a perda completa da fertilidade. Cerca de 5 a 10% das mulheres com este diagnóstico ainda podem engravidar. Além disso, cerca de 20% das mulheres voltam a apresentar ciclos menstruais e elas devem ser informadas sobre esta possibilidade.
Mas a conduta mais importante de todas é o início da reposição estrogênica, indicada para todas as mulheres com IOP, desde que na ausência de contra-indicações. Mas aí já é assunto para outro texto.